O dia que a razão disse não
Digo ao meu cérebro que vou escrever uma crônica. Ele não responde, permanece quieto. Depois de algum tempo, quando já havia desistido de continuar, ele pergunta: ”qual é o tema?”. Aproveitei o flash de solicitude e fui logo definindo não só o tema, mas o foco do assunto. Não aconteceu nada. Não houve qualquer comunicação inteligente entre os meus estimados neurônios e os meus dedos. Inconformado, procurei alfinetá-lo. Tentei agredi-lo fazendo uso de algumas frases como: afinal, tu usas o condomínio do meu corpo, portanto me deves obediência. Nada. Era como se ele estivesse vivendo uma revolução. Imaginei-o de armadura, protegendo-se de ataques que naturalmente lhe eram feitos na forma de solicitações, supostamente tidas e ditas como necessárias, mas que ele não considerava como importantes. Aos poucos tive a sensação de ter perdido a controle racional das minhas reações cognitivas. Mas no auge dessa guerra de poder, resolvi ser tolerante, afinal, no trivial, ele não tinha se negado a responder, e, portanto, eu vinha tocando a minha rotina sem grandes atropelos. Logo, pensei: cada coisa ao seu tempo, talvez amanhã ou depois eu consiga fazer as pazes com ele e tudo fica bem.
Não havia dúvidas, havia obstáculos entre a razão e a ação. Dia após dia não conseguia alinhavar nenhuma frase que tivesse sentido ou que me desse prazer de escrevê-la. Era como se um nojo inconsciente tivesse se apoderado de uma parte sensível de meu cérebro.
Cheguei a pensar que a nossa realidade fosse essa: o poder emocional expandia-se e apagavam os reflexos da inteligência racional. Eu estava marchando da mesma forma que bilhões de pessoas. Por momentos senti-me confortável e esta conclusão justificava a falta de estimulo de pensar e escrever.
A desobediência estava clara e instituída. Havia uma revolução entre poderes. O conflito não era apenas uma sensação fictícia de meu imaginário insolente, mas um fato real que mostrava que nem sempre conseguimos dizer ou fazermos o que queremos.