Se estas ruas fossem minhas

Uma vez fiz estágio na EPTC com o pessoal da Engenharia de Trânsito, da logística de mobilidade urbana. Conheci os projetistas do sistema de coordenação de sinaleiras, um cara que definia as mãos das ruas, outro que previa rotas de acesso a hospitais e rotas de dispersão de estádios e teatros, e a chefe da gestão de crise, que definia rotas alternativas para desafogar congestionamentos. Todos muito normais… olhando de longe. De perto, eram nerds. E diziam que os Mestres dos Magos eram os do controle de tráfego aéreo.

Estagiei com gente louca: que gostava do trabalho, mesmo a tarefa sendo, de fato, arrumar a esculhambação do trânsito. Aquele pessoal estudava, pesquisava, fazia observação de campo, na rua mesmo, e depois ia para os CADs projetar otimizações. Se eu já achava estranhos os cargos de minimizadores de bagunça, o pior era que esse povo aplicava os seus princípios: esperava as pessoas saírem do elevador antes de entrar nele, caminhava pela direita na calçada, deixava a esquerda livre nas escadas rolantes, pessoas estranha. Desse tipo de gente, Murphy não pode descuidar: só ele sabe por que causa, motivo, razão ou circunstância existem, no plano viário da cidade, ruas segmentadas, que - pasmem! - têm o mesmo nome em dois trechos separados.

Vocês já viram estas pérolas: são ruas interrompidas, a numeração fica quebrada em duas partes que não se comunicam. A Honório, por exemplo: segui os números baixos ali da Assis Brasil, e para achar os altos, tive que contornar o pátio de um colégio, literalmente no meio da rua! Brilhante! E a Couto de Magalhães: esses dias entrei ali pela Benjamin, prossegui por três quadras, e a rua virou uma escadaria! Para achar os números altos, só literalmente subindo, a pé. Fantástico! Outra é a rua da Gecy, a Cabral. Semana passada, tentei achar o prédio dela, mas até o GPS do auto se perdeu. Escolhi o nome da rua, e o aparelho não reconheceu os números altos, até travou a digitação. Peguei um número alto qualquer, e ele calculou a rota até a rua, mas, chegando lá, percorri de ponta a ponta, e na área baixa, só achei o barranco. Cruzei o barranco e seu bequinho só para pedestres, medonho, até que encontrei os benditos números baixos. Uma experience!

Nessas ruazinhas aí, nas três, o nome da rua é o mesmo nas duas partes. Imagina, é claro que o GPS estava falhado, afinal essa tecnologia é do tempo das cavernas, obsoleta. Para o pessoal lá na Central, isso não causa confusão nenhuma. São dois trechos, dois pedaços, bem separados, sem continuidade, praticamente sem ligação entre si, mas algum jênio determinou que são a mesma rua. Esplêndido! E falando nisso, olha a nossa Terceira Perimetral: É Dom Pedro II, Carlos Gomes, Tarso Dutra, Salvador França, Aparício Borges, quebra ali, vira Teresópolis, Nonoai, Cavalhada. E em todo o trajeto, eu andei sempre na mesma faixa, a maldita rua é que foi mudando de nome sozinha. É magnífico!

Mas, mesmo sendo fácil mudar nome de rua, não mudaram nas metades ocultas das interrompidas. Mistério. Suspeito fortemente que o povo da Engenharia de Trânsito tenha sido sabotado. Talvez por manobra de alguém da Câmara de Vereadores, ou, pior, de um aspone, durante uma crise de sua crônica falta-do-que-fazer. Alguém em quem uma quiromante reconheceria a Linha da Cabeça segmentada, sem conexão entre Tico & Teco: afastados por um terreno, separados por uma escadaria, isolados por um barranco.