OLHA A ONDA!

Oi, meninos e meninas. Aqui é Dona Menô.

Estou teclando de um navio em pleno dezembro de verão. Sim, ganhei na rifa de Natal do condomínio, e o prêmio era uma viagem marítima à Bahia.

Rio-Bahia não é lá nada esplendoroso. Viajar num navio também não é lá nada de especial. Muitas famílias pagam o ano todo prestações para poderem ficar numa piscina com aquele axé infernizando a nossa cuca e depois vestir suas roupas compradas à prestação para o show de Agnaldo Rayol ou de Roberto Carlos.

Por falar nisso, eu estaria bem melhor se Agnaldo ou Roberto estivessem aqui... Pelo menos eu ia ouvir arte, e das melhores. Mas não... Há uma banda lá fora tocando pagode, e a turma tá doidona.

O interessante é que eu não vi ninguém com estria ou celulite, portanto nem entrei na piscina. Disse para todos que o sol causa câncer e que eu trato de minha pele com filtro solar fator 60. Para ser mais convincente, passei maisena na cara e abri um livro (que nem sei de quem era). Apoiei minha cabeça numa boia furada e assim passei minhas tardes, aturando as gostosas queimando seus peitos, enquanto Josualdo babava.

Bem feito! Agora ele baba de tanto vomitar lá na popa - ou será proa?... É cinetose. O movimento do barco lhe causa náuseas e eu escondi todos os Dramamines da frasqueira, só pra sacaneá-lo.

Até bem pouco tempo vi latinhas de Coca-Cola boiando no mar, enquanto eu fazia o mesmo caminho de Cabral. Eu acho que também vomitaria se tivesse que tomar banho ao lado do cocô. E não sabemos até onde o cocô de nossas margens nos alcança. Onde há latinhas boiando há também merda espalhada.

No ano que vem eu vou fazer o tour da terceira idade. Mas vou escolher um navio que não tenha esses coroas chatos que dizem que devemos comer acelga e hortelã, e que alho faz bem à libido. Eu odeio alho, principalmente quando a libido vem. Não aturo velha cacarecada por dentro, mas que tem plástica perfeita. Não tolero bonecas falantes e saltitantes. Sou povão!

Perguntei ao capitão se eu podia participar de uma pesca e ele disse que neste navio só pescam cocoroca e tainha; peixes que convivem bem com águas poluídas. Camarões e cações se foram com a poluição. Até mesmo dela não nos vemos longe aqui em alto-mar...

Sabem quando é que eu comerei peixe?! Quando chegar à minha terra e pedir para o vendedor da peixaria Lins um atum, bacalhau, cherne ou um salmão. São peixes de águas profundas ou frias, e fogem da sujeira. Assim eu pensava estar mais protegida, se bem que micropartículas de plástico alcançam qualquer oceano e dentro de algumas décadas teremos em qualquer mar mais fragmentos industrializados do que seres marinhos.

Perguntei certo dia ao meu leal peixeiro qual o pescado bom pros ossos, uma vez que estou na menopausa e a osteoporose me alcança. Ele disse que só entende de espinha, mas que qualquer coisa vinda na rede é boa pra saúde. O problema é o que nossos peixes brasileiros podem trazer em sua carne: chumbo, cádmio, mercúrio, coliformes fecais, o tal plástico e por aí vai.

Eu sou omnívora, assim como Deus me fez: nasci para comer frutas, legumes, verduras, proteínas (inclusive animais). Na cadeia alimentar de minha preferência, o que mais gosto vem da praia. Fica difícil, com essa poluição!

Dia desses Josualdo estava comigo na ilha de Paquetá. Caraca! O fedor do mar era insuportável. Não é a ilha que se contamina, mas ela recebe toda a sujeira da capital do Rio, Niterói e São Gonçalo trazida pela corrente. A certa hora ele tomou um porre e entrou na praia da Moreninha. Saiu com algo marrom e mole na boca. Eu disse que era uma alga, para que ele não surtasse, mas fiquei um mês sem o beijar, até ter certeza de que ele não ia ficar doente com uma hepatite ou algo assim...

To com o saquinho cheio desse passeio de barco aqui, gente! Daqui a pouco estarei em terra, doida pra voltar pro Rio! Bahia eu já conheço. Eu só queria ver se no mar a coisa seria diferente, mas eu to achando um tédio. E a internet neste laptop é uma porcaria!

Eu tive que olhar pra cara das mesmas pessoas chatas o tempo todo. Bom mesmo foram as saladas do self service. Parecia até que eu estava naqueles restaurantes do centro da minha cidade, comendo temperos à base de bicarbonato de sódio e óleo velho.

Passeio de pobre é passeio de pobre. Pobre é pobre em qualquer lugar! ELES SABEM DISSO E EXPLORAM A POBRADA DE UMA FORMA VIL! Não gostei do garçom que veio me servindo coquetel de cereja sem álcool numa bandeja. Leite Moça com groselha eu tomo no boteco da minha rua, po!

Eu bem poderia estar comendo mais barato que aqui, e bem mais divertido, se a essa hora eu estivesse na feira de São Cristóvão. Lá ninguém precisa se emperequetar e parecer o que não é. Lá o pobre é pobre. O rico e bonito tem até vergonha de aparecer. O forró, o baião de dois e aquela muvucada toda de bugigangas são o que une todos.

Ai, que coisa idílica... Tentei dar uma de romântica na noite passada com Josualdo. Eu comprei no Norte-Shopping um perfume de 300 paus e uma camisola que escondia meu excesso de peso, na cor vinho-tesão. Ele já tava mareado, mas tentou chegar junto. O problema é que existem escotilhas na cabine e ficou o tempo todo olhando estupefato o brilho da lua no mar, mirando um golfinho serelepe mergulhando, só pra disfarçar as náuseas.

Lembrei do boto que comia a virgens na Amazônia. Nem pra isso serviu o transatlântico...

Eu quero ver trânsito! Eu quero ver gente normal! Dentro em breve eu irei pro meu lugar: Búzios! Aí, sim, eu vou me soltar! Lá eu sou amiga do Rei Netuno!

Texto e foto
Leila Marinho Lage
Texto originalmente escrito em 20 de janeiro de 2009
Atualizado em 9 de dezembro de 2017