SÓ CACHORRINHOS VIVEM DE MIGALHAS

Seu amor era incerto, isso a fazia viver de vai e vem, por isso sofria, por isso era triste, pois desejava mais que algumas horas, queria um amor que durasse pra sempre, ainda que este pra sempre não durasse mais que alguns minutos. Mas um amor que fosse seu, um amor inteiro, feito um amanhecer de primavera sem nuvens. Um amor sem medo, um amor sincero, um amor que valesse à pena, porque a única coisa que ele dava pra ela era incertezas de um amor fragmentado. E foi assim, vivendo de migalhas que ele lhe dava, que pouco a pouco ela foi morrendo.

Sentia-se como rosa solitária que atrai uma infinidade de beija flor, mas nenhum fica, todos se vão e ninguém se dá, levam dela algum pedaço, e isto a estava pouco a pouco roubando seus sorrisos. Sua queixa no divã era simples, veio porque não sabia mais sorrir, nada mais trazia alegria, vivia como fantasma, era automática, rotineiramente exata e milimétrica em detalhes, mas dentro se sentia como manteiga espalhada em um pedaço de pão quente, derretida e em uma camada tão fina prestes a romper a qualquer momento.

Lembrou-se do texto bíblico: "Os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seu dono", isto a fez procurar ajuda, pois era assim que se sentia, como um animal de estimação a mercê dos carinhos de seu dono, vivendo de restos e de amor esporádico. Não queria mais este amor pra si, queria ser livre, queria deixar de ser quem era, queria poder voltar a voar e sorrir, poder voltar a viver, mas não sabia como se livrar daquela corrente emocional, da coleira de solidão que estava em seu pescoço, queria parar de ver amor onde só existia carência emocional.

"Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá. Tem gente que machuca os outros, tem gente que não sabe amar", canta Renato Russo e era isso que acontecia com ela, estava ao lado de alguém incapaz de dar o que queria, ele buscava sexo, ela queria amor, e na ânsia de ter o que desejava, dava pra ele o que ele vinha buscar, desejo e querer eram opostos, ela desejava o que ele não queria - amar.

Não dá pra buscar no outro a promessa que o outro não fez, se tudo o que ele via era apenas um corpo que podia usar, jamais alcançaria seu coração. Você precisa primeiro se libertar deste sentimento aprisionador, o coração precisa estar leve para o amor, não guarde mágoas, aprenda com o que você viveu.

Estando livre, invista em você, volte a enxergar os detalhes que amava, pois amor próprio gera cura, se demore no espelho, se desnude e se reveja. Não tente se enxergar pelos outros, há muitos olhares de inveja espalhados por aí, aprenda a limpar os seus olhos buscando a simplicidade da vida.

E por ultimo, só queira ao seu lado quem te faz bem, como canta Caetano Veloso: “Cansei de esperar, de esperar enfim, e pra começar eu só vou gostar de quem gosta de mim”. Quem se importa com você sempre busca um jeito de lhe fazer sorrir, de lhe ter ao lado.

Ame quem sussurra pela manhã, bem baixinho a canção de Jota Quest: "Hoje eu preciso ouvir qualquer palavra tua, qualquer frase exagerada que me faça sentir alegria em estar vivo. Hoje só tua presença vai me deixar feliz, só hoje". Porque amor de verdade se constrói dia a dia e pra isso, basta apenas o hoje.

Jairo Carioca, Psicanalista e Escritor, autor do livro "Crônicas de um divã feminino" pela editora Autografia.

Jairo Carioca
Enviado por Jairo Carioca em 09/12/2017
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