Espectador
Minha cabeça doía e meu espírito sangrava. Antes mesmo de abrir os olhos, senti o vento frio e a madeira úmida na qual estava deitado; um banco de praça.
Levantei calmamente e vislumbrei o céu tingido de vermelho, enfeitado com nuvens dispersas tão puras que lembravam muito um cartão postal. Ao longe se via o porto, cheio de cores, rostos e movimentos. Acompanhava o despertar da cidade sem nenhuma pressa nem emoção, como um bom espectador.
Por um lado, havia gente existindo por si só, correndo sem rumo e deixando passar desastres e maravilhas sem mover um único dedo para fazer parte da vida. Em contrapartida, uma criança dava seu pão à um cão assustado e um entregador de jornal sorria, gentil, ao relojeiro deprimido que, pude ver em seu semblante, teve a alma aquecida.
Meu lar era aquela eterna fotografia, abraços de boas-vindas e despedidas que não recebia, esperanças alheias que iam e vinham me acariciando com o tempo, e sombras solitárias que eu tanto respeitava. Aprendi a ver com outros olhos, afinal, para cada espetáculo existe uma platéia. Na bilheteria mundial, a vida sempre impressiona.