Pitanguices

Cheguei ao apagar das luzes, ou, a rigor, quase ao acender delas.

Afinal, ali na nossa tão querida Praça de Esportes, a jornada havia

sido longa e intensa entre libações e celebrações. Como sói aos

pitangueiros e agregados quando se reúnem. E não há loira ou quaisquer

outras evangélidas que resistam.

O grande Bécaud, que está em todas foi logo me apontando o indicador -

aquele que em tenra idade perdeu a falangeta - e exigindo explicações

por que havia eu deixado aquela lacuna na zaga. Sem argumentação que

me convencesse eu mesmo fui alegando motivo de força e nem recorri à

clássica expressão força maior, que no fundo no fundo é pleonástica,

redundante, ainda que fantástica.

E foi justamente o Nenete que galhardamente me substituíra, que veio

em meu socorro: o time ganhara mais uma vez. Com o brilhantismo que

todo Valério - com raríssimas exceções - imprime à cancha. E o resto

se arrancha.

Mas desfeito o embaraço inicial, a acolhida foi acima da expectativa.

Abraços, cumprimentos efusivos, eu já me considerava com lugar no

poleiro. Os clãs Scapolatempore e Chaves, mais numerosos e sempre

presentes, prodigalizavam-se em gestos e gostos de boas-vindas. Eu

estava em casa, onde, aliás, ainda mantinha aquele resquício de

ressentimento - logo apagado - com o espectro de Sô Demar, para quem

nunca marchei no ritmo certo quando nos preparávamos para as paradas

cívico-escolares. Aliás, éramos eu e o William, el Bolas, que sempre

fechávamos o pelotão, em razão de nossas tenras idade e altura.

E o abraço afetuoso do grande Dute, aquele que sempre esteve na linha

de frente com seus quase sete pés de altura, deu-me alento para

recuperar o fôlego e a falto-estima. Pude assentar-me e papear com

figuras impolutas e de caráter sem jaça, em plena esportiva praça.

Quanta saudade ali matada e arrematada. Olhar para a límpida piscina

azul, sem ter que atravessá-la a nado, conforto dobrado. E aos

vestiários nem me arrisquei: fora ali o palco da primeira exposição ao

nu coletivo, sem fotoshop...onde o único cuidodo, instintivamente

aprendido era dar costas para a parede e jamais, jamé como se

pronuncia em bom francé, mas jamé, ousar apanhar um sabonete que

porventura ao piso caísse...

E, airosa, a incrivelmente bela e singela igreja de São Francisco,

cuja visão se projeta sobre o muro da praça, ainda que de costas, a

nos dar a garantia de que todo pecado será perdoado...desde que ah,

bem suado...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 03/12/2017
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