MEROS MUROS SEM RUMO
Após refletir um pouco sobre a atual sensação de insegurança das pessoas no Brasil, resolvi conferir as marcas de crescimento anual dos muros da minha vizinhança. A impressão que tive foi a de que cada um de nós vai aumentando o seu muro, na esperança de se proteger dos fantasmas criados por um inconsciente coletivo cada vez mais atormentado.
O curioso é que, para esse tipo de empreendimento, tem mestre de obras de todo tipo. Faz algum tempo, percebi que existe um tipo de dono de muro que fica ali dois, três... cinco anos sem mexer no muro — parece até que perdeu o controle da situação. Quando você menos espera, o cabra coloca dez fiadas e já era a sua vista panorâmica.
Mas a maioria, amadora, vacila e não percebe o momento certo de, além de aumentar, investir também na manutenção do muro. Com o perdão do duplo sentido, as pessoas vão deixando de agregar algo mais concreto ao muro — apenas uma pinturinha não sustém muro de ninguém. E os fantasmas, então, fazem a festa, com o sujeito aflito, tentando reerguer o seu biombo de barro.
O resultado dessa ingerência é que, ao longo dos anos, algumas partes desse muro vão caindo, não raro, infinitamente. E sempre que você tenta reformar o que sobrou do muro, algo fica fora do lugar. Dá uma vontade enorme de derrubar tudo e começar de novo, mas o medo da reconstrução total aflora, e a gente vai se contentado com um muro meio torto, alguns tendendo para a esquerda, outros para a direita...
Evidentemente que que essa reconstrução incessante, além de tornar indefinida a direção dos muros, causa também a invasão de espaços alheios e, consequentemente, confunde cada proprietário: o cara pensa que o seu espaço é o espaço do outro.
Para piorar, outros indivíduos também se encontram nessa situação, ficando todos meio perdidos e tentando encontrar, no muro do vizinho, vestígios do seu muro pessoal, como se isso fosse uma solução razoável para o conflito dessas almas.
Diante de tais constatações, avalio ser bastante provável que em um futuro próximo possamos ser mais felizes sem muros. Isso deverá ocorrer quando percebermos que eles não passam de simples placebo, falso lenitivo para os nossos medos e... segura aí! Começou a chover traçante no morro aqui ao lado!