O jogo inevitável
A névoa pintava o dia como uma aquarela cinza sob um fundo em branco, fazendo com que lembrássemos da linha tênue entre a pureza e o ser humano. Luzes singelas penetravam o cemitério, contornando os túmulos e esculturas de anjos que pareciam existir além do tempo. Eu tinha me olhado no espelho antes do velório. De certa forma, gostei da maneira que o terno preto se destacava em minha pele clara, meus olhos estavam um pouco fundos mas mantinham sua essência. Havia flores amarelas ao lado do caixão de meu pai. Gostaria muito se o dia da minha morte fosse tão bonito quanto aquele.
As pessoas se enganam ao relacionar beleza à felicidade e morte à tristeza. Talvez fosse só comigo, mas nunca enxerguei tal barreira entre tudo isso. Era uma coisa só. Estava abalado, não tanto quanto imaginei. Todos os momentos que vivi ao lado dele dançavam sem rumo dentro de mim. Era injusto, porém não havia nada que pudesse ser feito. A vida sempre brinca de levar o juízo de uns e a juventude de outros e, no final, só resta a brisa e as lembranças, a música do silencio e a agonia da alma esperando o momento de aprender a voar.