Empreendedora Ernestina

Você não há de estar vendo na frequência com que eu a vejo. Mas essa senhora, a quem vou chamar de Dona Ernestina, de seus cinquenta ou menos anos, é ambulante-fixa no comércio de panos de prato. Estabelecida numa ponta do canteiro central da Avenida do Contorno em seu cruzamento com a Rua Cláudio Manoel, Dona Ernestina, com o estoque todo sob uma frondosa árvore, assim que se fecha o sinal de trânsito aos veículos que descem a dita avenida, parte em direção oposta anunciando sua oferta, que, nos últimos três anos - que é meu tempo na capital mineira - tem-se mantido inalterada: cinco panos alvíssimos por dez reais.

Dona Ernestina mantém invariável também o seu trajar: calças compridas, um blusão tipo colete sobre uma fina blusa de náilon de mangas compridas, cujos motivos dão a impressão de que seus braços são mais cobertos de tatuagem do que os de David Beckham, um chapéu de palhinha e um par de óculos de lentes levemente escurecidas.

Ultimamente surgiu uma cadeira giratória de escritório, já em avançado estado de uso e aparentemente descartada que, suponho, junto ao material estocado propicie um descanso eventual à aludida comerciante ou quiçá, seja oferecida à freguesia como uma forma de cortesia que, seguramente encantaria a Ed Wharton, o mago do varejo, que construiu um império louvado na máxima de que o freguês é o rei.

Os robustos sinais de recuperação da economia, citados e declinados por Henrique Meirelles, mesmo que não cheguem aos ouvidos e olhos de Dona Ernestina, na certa lhe hão de ser benvindos. Contudo essa singela promotora das alvuras e assepsia culinárias poderia bem ser melhor observada por nossos brilhantes harvardianos e keynesianos economistas: ao longo de 3 anos - que a tenho observado, e que posso testemunhar - Dona Ernestina vem mantendo seus preços estáveis, sem recorrer a expedientes enganadores tipo Black Friday - até porque, seu pano é absolutamente nívio - e, mesmo sem personalidade jurídica não subscreve ações contra elevação da carga tributária e não prejudica a concorrência com a prática de dumping.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 30/11/2017
Reeditado em 30/11/2017
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