A mulher que ama

Havia uma cerca entre eles e em cada pátio uma horta. Desatou a rir do modo como devolveu a fronha que voou livre no vento de volta para o quintal do vizinho. Duas vezes lhe gritaram da casa. Que fosse para dentro e saísse do frio. Duas vezes desobedeceu. Foi salvar a roupa do vento e acabou ganhando um colar. Agradeceu constrangida, pensou que seu coração fosse pulsar em seguida, mas não. Decerto havia encontrado na rua aquela antigualha. Gostava dele por outra razão. Estava desempregado sem perder a mesma graça dos homens bem sucedidos. Assobiava para o canarinho senhor de si como um Senador após um novo aumento.

No fundo havia uma grande indignação. Sequer comia um peixinho assado para não ferir a natureza. Aquele canário de algodão na gaiola dava-lhe mil graciosos pulinhos. Cantava verso após verso, balançando suavemente seu corpinho. Quando voltava do mar tramava pular a cerca e soltar o canário daquela gaiola esquipática.

- Mas se o canário recusasse a fuga preparada?

Um homem para uma mulher que ama precisa ser tão alto a ponto dos seus pés tocarem o fundo do mar. Ter músculos de sisal além de estrelas que acabam virando brilhantes sobre o paletó surrado. A mulher que ama vive um dilema original: se não sabe amar, nunca aprende sedução. Sabendo amar é porque amou demais. Tal indecisão deforma o mundo e inventa um tipo de liberdade condicional sobre o amor que não se ensina. A mulher que ama atravessa a noite de onda encrespada e faz o amante ver o mar desaparecer na rocha. Quem ela era afinal? Uma mulher que esperava amar morando numa casa simples com fruteira na varanda e um ar limpo de sândalo? Queria saber de onde nascia o inculto ciúme tornando a alma pobre, miserável, criminosa até, daquele que perde do amor à vontade do novo encanto. A mulher que ama prova de cada um enquanto olhos cobiçosos amaldiçoam a sua poderosa fertilidade. Não vê o homem que ama em fúria o inferno que é ter em casa um demônio cativo?

Mil demônios equivalem a uma esposa triste. Nenhuma inveja sentirão porque na felicidade ondulada há um desvio e uma exclamação de espanto. Ao entrar em casa Isabel parou na escuridão. Acabara de ouvir sete histórias inéditas num canto de muro. Coitado! Criatura tão pobre! Enfiado no macacão de férias como um hortelão. Estava desempregado. Talvez o amor vizinho ridicularizasse o seu vestido simples como os engraçadinhos na esquina.

Quando acordou no dia seguinte havia sonhado que estava com ele plantando flores na lua.