Por acaso

Desde que comecei a lê-las, sempre tive vontade de escrever uma daquelas crônicas de coluna de jornal onde não acontece nada além da vida dos seus autores — me encanta a capacidade de transformar um recorte do cotidiano, por mais que simples, numa coisa bonita. Mas nunca o fiz de fato. Não é que eu não tenha tentado por minha vida não ser interessante o suficiente: qualquer segundo é uma história dependendo do que você está disposto a contar. Nunca havia tentando por causa desse não-sei-o-que (que se você vive provavelmente o conhece) que me acompanha em tudo que eu faça ou, nesse caso, que eu deixe de fazer. Só que hoje, nessa quarta-feira desse novembro que não sabe se quer ser quente ou frio, aconteceu.

Conversávamos sobre o futuro. Você perguntou se eu queria ver um filme e eu disse que não, que conversar sobre o futuro sempre faz minha cabeça doer no fim. Então inesperadamente perguntou sobre escrever, se eu gostaria de escrever e eu disse claro, claro que sim, que só ia pegar minhas coisas e não demorava.

Quando encostei a ponta da caneta no papel, pensei em escrever sobre muitas coisas. Sobre a colônia de formigas ali no canto e como fantasio que a rainha, amargurada por só fazer se reproduzir, envia suas súditas para levarem-na o resto da bebida que deixo no copo aos fins de semana. Sobre esse pé de manga que nos dá sombra nesse momento e como às vezes é um susto vê-lo gigante quando lembro que o plantei. Sobre mim. Só que tudo que eu realmente queria era pintar esse agora.

A fumaça do cigarro de palha subindo. Você se distraindo com tudo nesses devaneios escancarados. Nossos olhos se cruzando fundo, mas você sem tentar nenhum tipo de comunicação direta por também saber da bagunça que é escrever. Mac DeMarco cantando e nos dando esperança, dizendo que brevemente estaremos entre pessoas melhores — mas será mesmo, Mac? Eu checando as horas frequentemente pois você disse que iria às 17:00 e já são quase isso. Você assumindo uma pose como de criança diante do desconhecido em direção ao meu caderno, tentando desvendar o que escrevo e eu o que você pensa, se é no futuro novamente, nas bobagens que sempre te falo, no copo de leite que tomou hoje de manhãzinha — não sei.

Não sei nem se em um jornal leriam sobre dois desconhecidos num banco, embaixo de um pé de manga, fazendo nada além dessa coisa de viver, nesse momento que não será preciso nem da morte para ser morto, apenas os dias que virão. Mas achei bonito. Espero que você ache também.