Um rascunho
Ao som de uma música deliciosa de se ouvir, empresto meus pensamentos às palavras, a fim de que haja um fio de esperança de que tais sentimentos não se percam em um curto espaço de tempo. É engraçado como as palavras fluem quando se ouve uma bela canção, por isso mantenho minha lista sempre atualizada com as músicas que mais mexem com meu íntimo. A inspiração vem de onde menos se espera. Às vezes, sentimo-nos inspirados ao ouvir um acorde que faz lembrar um amor, mas isso costuma ser óbvio. Estranho mesmo é quando esse entusiasmo criador surge a partir de coisas que não têm a menor relação com a sua vida. Por exemplo, quando você se sente motivado a escrever sobre o cair de um cigarro em uma calçada de uma rua movimentada. Você sequer fuma. Odeia o cheiro do cigarro. Mas de repente se vê ali teclando em seu computador ou rabiscando em uma folha de papel. E escreve exatamente sobre aquilo que não fazia diferença nenhuma pra você. E, em uma fração de segundos, você se pergunta o porquê e não obtém resposta. Mas continua escrevendo. Do movimento do cigarro ao cair, você parte para o semblante do fumante que jogou seu cigarro ao chão e deu um leve pisão para apagar a chama. Que semblante é esse? Aí você começa a escrever sobre as possíveis razões para o indivíduo ter começado a fumar. Será que foi por modismo? Para saciar uma necessidade que até ele mesmo desconhece? Ou só por gostar mesmo? Ninguém sabe. E seria estranho perguntar à pessoa no meio da rua por que ela fuma. Com certeza, ela pensaria que você teria um discurso pronto para convencê-la a largar o tabaco e não lhe daria atenção. Seu texto agora fala sobre hipóteses, não se pode afirmar o motivo de um fumante, só podemos imaginá-lo. Mas qual seria? A dúvida corrói sua mente enquanto pesquisa sobre isso. E algo que era apenas um rascunho no papel se transforma em uma tese de psicologia. Mas você se dá conta de que sua graduação nem é nessa área. E, como se fosse o mais adequado a se fazer, você se depara pesquisando sobre cursos de psicologia na cidade onde mora. Pronto! Agora inscrito no vestibular, o que fazer? Que besteira, tudo por causa de um rascunho! Não tem mais jeito, a ânsia o domina de uma forma que é impossível controlar. Como se disso dependesse sua vida! Depois de aprovado, surge o desafio de estudar cinco anos para sanar sua curiosidade em relação a um assunto que, para você, era desimportante. E você termina o curso com a única certeza: de que agora você é um fumante descontrolado que não sabe nem por que começou a fumar!