Claudionora

A César, o que é de César, à Claudionora, o que lhe há de nora; nunca haverá alguém, que poderá afirmar com convicção, se ela ganhou uma nora no nome, por escolha dos seus pais, ou se cumprindo um desígnio divino, de que ela deveria ter uma nora. Sem que Deus intercedesse, ela nunca teria uma nora, nenhuma Amélia, por mais abnegada que fosse, se sujeitaria a qualquer afinidade, a qualquer vínculo, com aquela mulher, que já carregava uma nora no nome.

Jamais ela teve qualquer talento para esculpir, mas acreditem, como ela moldava, como ela esculpia todos à sua volta. Sua obra nunca foi muito grande, já que é certo que nunca houve à sua volta, tanta gente assim.

A conclusão a que se chega é que Jacinto a conheceu no dia do casamento, não há como se imaginar que ele tenha namorado, criado, de forma convencional, uma aproximação com aquela que já nasceu com os laços de parentescos registrados em uma Certidão de Nascimento, sem os registros, ela não encetaria laços

Todas as manhãs ela puxava um terço, e Jacinto respondia a todos os sacramentos contidos naquele rosário, algo injusto, afinal ela havia recebido a graça de ter se casado, e ele pagava pelas conseqüências. A penitência não parava por aí, Jacinto, ao lado daquela com quem teria de conviver até que a morte os separasse, era coagido a assistir a todos os pesadelos, com sobrenome Braga, que a televisão impunha a todos daquela célula familiar, uma sociedade unicelular, onde o núcleo era Claudionora, e Jacinto, aquele que orbitava ao seu redor.

Jacinto recebia Vale Refeição na empresa que trabalhava, mas tinha que, religiosamente, ir almoçar, todos os dias, com sua doce e amantíssima esposa; o retro superlativo foi usado somente para dar o tamanho físico da cônjuge, sem nenhuma intenção de dimensionar a largura do sentimento que unia aquele casal.

Antes da alimentação, de várias cores, verduras e legumes, e nenhuma proteína com muita gordura, uma prece de agradecimento, e intimamente Jacinto se perguntava:-Mas todos os sacramentos não foram orados pela manhã?

No começo da tarde uma sesta era obrigatória, como obrigatório eram as trocas de carinhos que enclausuram os casais, para ela eram carinhos, para ele sacrifício, de alguém, literalmente, enclausurado.

À noite uma refeição suave, como se o almoço já não tivesse sido tão leve; um filme, de teor também leve, como é A Noviça Rebelde, uma nova oração de agradecimento, quando ele, na intimidade, jurava não ter o que agradecer, e cama. Era o momento de Jacinto se extravasar, muito silenciosamente sonhava com a caixa que o atendia no supermercado, com as garotas nuas que via em capas de revistas, expostas em bancas de jornais, e até já sonhou, duas ou três mil vezes, que, como sendo um super herói, havia feito Claudionora desaparecer,sem que sobre ele pairassem suspeitas.

Michelangelo e Claudionora, ele pintor e escultor de obras como Moisés e o teto da Capela Sistina; ela, sem nenhum talento, pintou e esculpiu, à sua imagem e semelhança, algo, não diria alguém, chamado Jacinto,e fez dele, à sua cópia, um CLAUDIONOR.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 27/11/2017
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