Carne, moscas e coisinhas

por Gustavo Pilizari

A membrana do “Eu” grita, anseia por romper...

Você percebe?

Chegue perto: escute; paralise o olhar no tecido agreste de mim...

Prenda a pálpebra, derrube lágrimas, veja quem sou!

A crua, fina, rasgada carne...

Percebe os riscos no couro seco? E os eriçados talos dourados explodindo por liberdade?

Quero que veja, fixe...

Seja “Eu”...

Sofra comigo a dor de ser um pedaço de carne angustiado!

Quero que exponha a podridão do Ser – que seja descarado – arreganhado – explicito e ilícito...

Só nos restam os dias... como tornar suportável a linguagem que regurgita o eterno tempo do longo agora?

Tenho toneladas de palavras impregnadas em mim...

Ecos...

Posso perder todo o peso de meu corpo: posso secar, desidratar, mas, nada, nada - mesmo na sequidão de uma pele rachada, as palavras ainda seriam toneladas em mim... seria ainda o Ser mais obeso, gorduroso...

Ahh, se as moscas soubessem das coisas que carrego... tecidos e nervuras jamais seriam cortejados...

Moscas sugaram meus discursos... só peço por compaixão...

Sua única casa, habitada por estranhos...

Você viu?

Mudei as roupas, troquei a casa, alterei o nome: mudei totalmente para continuar comigo mesmo...

Os cacos repousam...

Como é você estar com você por tanto tempo?

É tão fácil quebrar muros e muralhas; é tão penoso quebrar símbolos e discursos...

É tão fácil quebrar objetos físicos, não?

É tão difícil quebrar ideias - pensamentos só existem em nós (membranas vazias e sopros); para quebra-los teríamos de arrebentar ou destruir a nós mesmos...

Estou provocando a secreção de antidoto... conseguirei pausar o corpo para fazer correr o tempo...

Um corpo duro e estático num relógio frenético... deixemos os loucos viverem o tempo da eternidade...

Gus Pilizari
Enviado por Gus Pilizari em 25/11/2017
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