"Encontro com Clarice"
As luzes foram se apagando lentamente, aos poucos uma voz suave fora invadindo o ambiente e dominando meus sentidos: “penetre surdamente no reino das palavras”.
E sucessivas imagens formavam-se, na voz que se multiplicou instantaneamente. Vislumbrei uma dança de letras ensurdecedora, mas ao mesmo tempo sublime. Vários ritmos em uma só cadência, várias sensações em um só estímulo.
Penetrei surda naquele reino, deixei-me conduzir pelo sinuoso e assimétrico mundo das letras. Vi Guimarães vestido de vaqueiro, Graciliano com a cadela Baleia. Cheguei bem próximo de Macunaíma, antes que este se transformasse no Gigante, enfim percorri mundos inexistentes e encontrei na quimera literária Camões rendido de amor.
Na poltrona, rodeadas de gavetas entreabertas; do armário ainda empoeirado, encontrei Clarice: pairava no ar o cheiro do envelhecido, do solitário e do místico, era tênue e ao mesmo tempo sombrio. Lá, Lis com o cigarro na mão direita e com o olhar “indizível” respirava oxigênio como se estivesse a contemplar o infinito: revelava em enigmas quem realmente era: “não sei”.
Ouvi-a dizer, mesmo com certa dificuldade: “Eu não sou uma profissional, eu não quero ser... faço questão de não ser profissional para manter minha liberdade”. E no conforto desta fala pensei: “Ah quem dera se Clarice soubesse já neste dia que seria minha companheira por todas as noites, na cabeceira de minha cama, já com a Paixão segndo GH e a mulher do casaco marrom”, mas Clarice morreu quando eu apenas tinha cinco anos. Uma pena!
Aliviada com a origem do meu encantamento, e convicta das minhas próprias dúvidas e possíveis respostas caminhei por entre o fantástico mundo das letras, que até Clarice me fez enxergar, mesmo tão distante e enigmática, mas eu a vi, estava bem próxima do meu “coração selvagem”.
* a mulher do casaco marrom é uma personagem do conto "O Bufálo"