No tempo da minha avó
Quando criança, morávamos em uma chácara nos arrebaldes da cidade.
Tínhamos como vizinhos no mesmo espaço, dois tios com as respectivas famílias, e minha avó, que morava com um deles.
E da minha avó, além da saudade, guardo agradáveis recordações. Ela era uma “velhinha” sempre sorridente e alegre. Embora tivesse por volta de cinquenta anos de idade, para a época, e pelas condições de vida era considerada uma velhinha.
Das recordações, a que ficou mais marcada, foi o modo dela ver a vida sempre com otimismo.
Quando surgia alguma complicação, fosse de doença ou problemas pessoais, ela vinha com uma de suas “filosofias”: Não adianta perder a calma, “tanto faz a água descer para cima ou subir para baixo” que a vida continua a mesma. Ela sempre tinha, na ponta da língua, um ditado popular para colocar panos quentes numa situação constrangedora.
Da mesma forma, ela usava essa mesma calma para resolver pendencias, ou chamar a atenção dos netos, que eram uma “penca”, de várias idades e tamanhos, oriundos daquelas três famílias ligadas pelo parentesco.
Não me lembro dela, dando um safanão, beliscão ou puxando a orelha, de algum dos netos, o que na época era comum na educação de uma criança, inclusive memoráveis surras de cinta ou vara de marmelo.
Minha avó não. Ela usava uma estratégia própria, sempre com exemplos e adágios que nos faziam pensar e, realmente faziam efeito.
Quando brigávamos querendo escolher a laranja maior ela já ia dizendo: “o diabo é grande ninguém quer ele”, era o quanto bastava para acabar a disputa. Quando a gente caía, se começasse a chorar, lá vinha ela: Não foi nada “antes de casar sara”, e tranquilizava a mãe “criança que não cai não cria”. Quando fazíamos alguma arte mais grave e o pai ou mãe já ia pegar a vara de marmelo, se estava por perto ela calmamente se aproximava e dizia deixa que eu converso com a criança, não adianta nada agredir “bater é pouco matar é muito”, é melhor deixar como está.
Naqueles tempos de parcos recursos, ela cuidava, não só dos netos, mas também da criançada da vizinhança com chás de ervas e benzimentos.
Benzia de lombriga assustada, mal olhado, bucho virado, quebrante,etc. Além de ser a furadeira oficial da orelha das meninas para a colocação de brincos.
Tinha dia que ela nos sentava à sombra da mangueira para nos ensinar religião. Ali nós aprendemos à amar a Deus sob todas as coisas, respeitar pai e mãe, e as pessoas mais velhas, trata-los por senhor e senhora, e também o restante dos mandamentos. Aprendemos que Jesus é bom, mas sabe castigar os maus. Ela cria num Deus de extrema justiça, por que para ela a extrema bondade era injusta, e Deus não podia ser injusto, tratando a todos, bons e maus com o mesmo peso e medida. Portanto Deus como seu filho Jesus, era bom, mas não ao ponto de fechar os olhos às ações de maldade das pessoas. Tomem cuidado que ele esta vendo o que vocês estão fazendo. Realmente nós ficávamos preocupados, mas da forma com que ela falava, não ficamos traumatizados.
No tempo da minha avó, tudo era diferente.