Pais e Filhos
Meu filho é um típico pré- adolescente da chamada geração “Z” que sonha em ser youtuber. Desde que nasceu tenho confirmado na prática o que minha mãe dizia: “A língua é o castigo do corpo”. Sim, basta dizer que filho meu não fará isso que ele vai lá e faz.
Ele está na fase "Cascão", acha que não precisa tomar banho, escovar os dentes ou trocar de roupa, penso até que imagina que as roupas têm lado A e lado B. Ah! Tem ainda a preguiça própria dessa idade. Coloquei - o num curso de inglês, ele gosta tanto que me perguntou se não poderia trocar pra fazer curso de Japonês,rs! O objetivo é não sair da frente do computador.
Como estamos na era dos argumentos, gastei toda minha saliva tentando mostrar a importância do curso e que eu não tive a mesma oportunidade devido a falta de condições financeiras dos meus pais. De imediato ele perguntou: - Mãe, qual a vantagem de ser pobre? Era bom ser criança no seu tempo? - Respondi de pronto que não tinha nenhuma vantagem em ser pobre e que no meu tempo era melhor que hoje. Ele fala como se eu fosse da época dos dinossauros!
Semana passada, lendo o texto: Nudez em Tempos Cibernéticos, da talentosa escritora aqui do Recanto, Lilian Vargas, em que falava do acesso quase que ilimitado que as crianças tem hoje de interagir com o mundo através da internet, passei a refletir sobre minha resposta, relembrei minha infância e tentei descobrir que vantagens tive em relação à geração do meu filho.
Minha geração é de transição entre o final da ditadura para a redemocratização do pais, saímos da repressão extrema à liberdade sem limites. Porém, tal liberdade era mais falada que praticada, pois ainda nos rondava o medo da repressão. Os valores do regime social e político anterior ainda pairavam sobre nossas cabeças, servindo como uma autocensura. Cresci vendo artistas e pessoas conhecidas morrerem por causa da AIDS. Considero uma geração aprisionada no medo, na incerteza, sem suporte ideológico em que se segurar.
Acompanhamos de perto a transição para um mundo digital, as mudanças nos contornos de tudo que conhecíamos até então. Foram muitos avanços em pouco tempo. Meu tão sonhado curso de datilografia, hoje, é algo totalmente obsoleto. Foi uma geração das expectativas, do sim e do ainda não, sem solidez teórica suficiente para sairmos dessa transição como alicerce para a geração seguinte.
Hoje, vejo os pais mais perdidos que os filhos. A sensação que tenho é que a grande maioria não soube fazer a transição necessária para esse novo mundo digitalizado, não superamos totalmente as desilusões do século passado, da redemocratização à meia- boca, das angústias existenciais e da própria solidão. Não criamos nada sólido para sedimentar nossas vidas, o individualismo preponderou. Perdemos a noção de autoridade, que servia de fortalecimento para os filhos. Não à toa, a geração atual é da eterna insatisfação.
No meu tempo de infância, na minha pequena e pacata cidade, não tínhamos muitas opções de diversão. Muitas das brincadeiras que fazia para me divertir seria motivo para dar uma síncope nas mães de hoje. Lembro-me bem que todas as sextas- feiras a aula terminava mais cedo, aproveitávamos para tomar banho de "barreiro", era um açude com uma ribanceira bem alta de onde pulávamos com saltos mortais. Os pais não sabiam, se descobrissem era uma tira de couro a menos nas costas. Quando alguém se machucava, não reclamava, apenas "engolia o choro".
Mas o que mais gostava era descer o rio cheio de correntezas numa boia feita de câmara de ar de pneu de trator, era perigoso e emocionante. Hoje, vejo que era um risco. Naquela época era o maior desafio do mundo, 5 a 8 crianças agarradas numa boia à deriva. Era o "rafting" de pobre.
Minha casa não tinha televisão, era produto raro naquela época! Tinha uma na praça, que ficava ligada até umas 10 horas da noite, mas o usual era assistir na casa do vizinho. Era meio que coletiva a televisão. A única exigência era que quem fosse assistir tirasse as sandálias ao entrar pra não sujar a casa.
Telefone era um luxo, só tinha na casa do prefeito e no posto telefônico. Ligavam para o posto e mandavam avisar que horas retornariam a ligação. Era o máximo! Todos ouviam as conversas uns dos outros porque as cabines não eram a prova de som. E tinha gente que ainda namorava pelo telefone.
As comidas eram diferentes, refrigerante na minha casa era uma raridade, geralmente quando um de nós ficava doente era que podia tomar guaraná com biscoito recheado por causa do “fastio”. Os lanches costumavam ser frutas de época, como manga, goiaba, caju. A comida do prato tinha que ser comida toda e se não comesse guardava o prato para comer mais tarde.
Na escola eram poucas disciplinas, com apenas uma tarefa para casa. Para meus pais o importante era "passar de ano". Na adolescência o programa mudava, a igreja se tornava o lugar mais atrativo da cidade, não pela missa, mas porque era ponto de encontro dos namoricos iniciais. As praças eram uma maravilha, nunca ficava uma lâmpada acessa à noite, sempre passava um "filho de Deus" durante o dia que jogava pedra nas lâmpadas. Afinal, para que iluminação artificial se tinha a lua no céu clareando até os pensamentos dos maus intencionados?!
Na minha infância e adolescência as famílias ainda eram numerosas, com 5 ou 6 filhos. Partia-se do brocado que: casa que come 2 come 3. Hoje, isso mudou, agora digo que casa que estuda 2 não estuda 3, pois educação é o atual "bicho papão".
Bem... realmente parece que sou da época dos dinossauros. Mas, com os pais e apesar dos pais dessa atual geração, eu ainda sou apaixonada pela geração "Z". Têm possibilidades infinitas pela frente. Com o direcionamento certo, acredito que ainda nos surpreenderão! Difícil fazer comparações, são gerações distintas, apresentando vantagens e desvantagens, ganhamos em umas coisas, mas perdemos em outras. Eles não são melhores nem piores que nós, só respondem de forma diferente a problemas diferentes. São frutos de um determinado contexto histórico de profundas mudanças no mundo, devem ser analisados dentro deste contexto e não com os olhos da década ou décadas passadas, por quem viveu num mundo que não existe mais. Mas, voltando para a pergunta do meu filho, eu ainda não vi vantagem em ser pobre, seja nessa ou em qualquer outra geração.
* A Geração Z é a definição dada a geração de pessoas que nasceu entre o começo dos anos 90 e o fim da primeira década do século XXI (2010). É constituída pelas pessoas que nasceram durante o advento da internet e do crescimento das novas tecnologias digitais, como smartphones, videogames e computadores mais velozes, por exemplo.
Ele está na fase "Cascão", acha que não precisa tomar banho, escovar os dentes ou trocar de roupa, penso até que imagina que as roupas têm lado A e lado B. Ah! Tem ainda a preguiça própria dessa idade. Coloquei - o num curso de inglês, ele gosta tanto que me perguntou se não poderia trocar pra fazer curso de Japonês,rs! O objetivo é não sair da frente do computador.
Como estamos na era dos argumentos, gastei toda minha saliva tentando mostrar a importância do curso e que eu não tive a mesma oportunidade devido a falta de condições financeiras dos meus pais. De imediato ele perguntou: - Mãe, qual a vantagem de ser pobre? Era bom ser criança no seu tempo? - Respondi de pronto que não tinha nenhuma vantagem em ser pobre e que no meu tempo era melhor que hoje. Ele fala como se eu fosse da época dos dinossauros!
Semana passada, lendo o texto: Nudez em Tempos Cibernéticos, da talentosa escritora aqui do Recanto, Lilian Vargas, em que falava do acesso quase que ilimitado que as crianças tem hoje de interagir com o mundo através da internet, passei a refletir sobre minha resposta, relembrei minha infância e tentei descobrir que vantagens tive em relação à geração do meu filho.
Minha geração é de transição entre o final da ditadura para a redemocratização do pais, saímos da repressão extrema à liberdade sem limites. Porém, tal liberdade era mais falada que praticada, pois ainda nos rondava o medo da repressão. Os valores do regime social e político anterior ainda pairavam sobre nossas cabeças, servindo como uma autocensura. Cresci vendo artistas e pessoas conhecidas morrerem por causa da AIDS. Considero uma geração aprisionada no medo, na incerteza, sem suporte ideológico em que se segurar.
Acompanhamos de perto a transição para um mundo digital, as mudanças nos contornos de tudo que conhecíamos até então. Foram muitos avanços em pouco tempo. Meu tão sonhado curso de datilografia, hoje, é algo totalmente obsoleto. Foi uma geração das expectativas, do sim e do ainda não, sem solidez teórica suficiente para sairmos dessa transição como alicerce para a geração seguinte.
Hoje, vejo os pais mais perdidos que os filhos. A sensação que tenho é que a grande maioria não soube fazer a transição necessária para esse novo mundo digitalizado, não superamos totalmente as desilusões do século passado, da redemocratização à meia- boca, das angústias existenciais e da própria solidão. Não criamos nada sólido para sedimentar nossas vidas, o individualismo preponderou. Perdemos a noção de autoridade, que servia de fortalecimento para os filhos. Não à toa, a geração atual é da eterna insatisfação.
No meu tempo de infância, na minha pequena e pacata cidade, não tínhamos muitas opções de diversão. Muitas das brincadeiras que fazia para me divertir seria motivo para dar uma síncope nas mães de hoje. Lembro-me bem que todas as sextas- feiras a aula terminava mais cedo, aproveitávamos para tomar banho de "barreiro", era um açude com uma ribanceira bem alta de onde pulávamos com saltos mortais. Os pais não sabiam, se descobrissem era uma tira de couro a menos nas costas. Quando alguém se machucava, não reclamava, apenas "engolia o choro".
Mas o que mais gostava era descer o rio cheio de correntezas numa boia feita de câmara de ar de pneu de trator, era perigoso e emocionante. Hoje, vejo que era um risco. Naquela época era o maior desafio do mundo, 5 a 8 crianças agarradas numa boia à deriva. Era o "rafting" de pobre.
Minha casa não tinha televisão, era produto raro naquela época! Tinha uma na praça, que ficava ligada até umas 10 horas da noite, mas o usual era assistir na casa do vizinho. Era meio que coletiva a televisão. A única exigência era que quem fosse assistir tirasse as sandálias ao entrar pra não sujar a casa.
Telefone era um luxo, só tinha na casa do prefeito e no posto telefônico. Ligavam para o posto e mandavam avisar que horas retornariam a ligação. Era o máximo! Todos ouviam as conversas uns dos outros porque as cabines não eram a prova de som. E tinha gente que ainda namorava pelo telefone.
As comidas eram diferentes, refrigerante na minha casa era uma raridade, geralmente quando um de nós ficava doente era que podia tomar guaraná com biscoito recheado por causa do “fastio”. Os lanches costumavam ser frutas de época, como manga, goiaba, caju. A comida do prato tinha que ser comida toda e se não comesse guardava o prato para comer mais tarde.
Na escola eram poucas disciplinas, com apenas uma tarefa para casa. Para meus pais o importante era "passar de ano". Na adolescência o programa mudava, a igreja se tornava o lugar mais atrativo da cidade, não pela missa, mas porque era ponto de encontro dos namoricos iniciais. As praças eram uma maravilha, nunca ficava uma lâmpada acessa à noite, sempre passava um "filho de Deus" durante o dia que jogava pedra nas lâmpadas. Afinal, para que iluminação artificial se tinha a lua no céu clareando até os pensamentos dos maus intencionados?!
Na minha infância e adolescência as famílias ainda eram numerosas, com 5 ou 6 filhos. Partia-se do brocado que: casa que come 2 come 3. Hoje, isso mudou, agora digo que casa que estuda 2 não estuda 3, pois educação é o atual "bicho papão".
Bem... realmente parece que sou da época dos dinossauros. Mas, com os pais e apesar dos pais dessa atual geração, eu ainda sou apaixonada pela geração "Z". Têm possibilidades infinitas pela frente. Com o direcionamento certo, acredito que ainda nos surpreenderão! Difícil fazer comparações, são gerações distintas, apresentando vantagens e desvantagens, ganhamos em umas coisas, mas perdemos em outras. Eles não são melhores nem piores que nós, só respondem de forma diferente a problemas diferentes. São frutos de um determinado contexto histórico de profundas mudanças no mundo, devem ser analisados dentro deste contexto e não com os olhos da década ou décadas passadas, por quem viveu num mundo que não existe mais. Mas, voltando para a pergunta do meu filho, eu ainda não vi vantagem em ser pobre, seja nessa ou em qualquer outra geração.
* A Geração Z é a definição dada a geração de pessoas que nasceu entre o começo dos anos 90 e o fim da primeira década do século XXI (2010). É constituída pelas pessoas que nasceram durante o advento da internet e do crescimento das novas tecnologias digitais, como smartphones, videogames e computadores mais velozes, por exemplo.