GERAÇÃO FAST FOOD

"As pessoas hoje, estão perdidas no aqui e agora".

Essa frase faz parte de um filme do qual gostei muito e, ela foi, de certa forma, marcante. Infelizmente, a compreendi na liminaridade fast food de um estado baixo e raso de consciência. A frase ficou anotada num destes blocos de anotações digitais. Meses se passaram.

Nas últimas viagens que fiz, numa busca incessante em encontrar estados de consciência mais plenos diante da natureza quase minimalista, nestas viagens tenho me deparado incontáveis vezes com a geração, doravante, fast food, sim, uma geração, não necessariamente uma generalização geracional. Os baby boomers teleguiam o fast food com sua capacidade titânica de resiliência, sua necessidade autoimposta de estabilidade, de conservadorismo, que boicotou-os da capacidade de formas distintas de ver o mundo. Logo, não via de regra, é fácil notar a similaridade entres suas peles brancas, seus cabelos curtos, barbas sempre raspadas que invariavelmente os deixam com fuças de pato, a camisa polo nos fins de semana (de preferência aquela do jacaré, que origina o nome polo), os demais adereços quase sempre caricaturais, a família correta (doravante, tradicional, nuclear, pai, mãe e dois filhos), carro do anus, casa/apto com banheiros privados para melhor vida privada, etc. Por falar em baby boomer, desde criança nós, gerações X e Y, vemos as gerações anteriores como referência emblemática, embora não tenhamos experiência suficiente para notar o sutil adestramento causal do fast food, simplesmente porque somos o fast food recém nascido em amestramento social; somos a "comida rápida" na moenda devoradora que a cada dia necessita moer mais e mais rápido para construir outras novas moendas mais modernas e tecnológicas capazes de devorar e deglutir e digerir ainda mais rápido as gerações fast food que se avizinham no futuro, seja ela qual for, será sempre comida rápida.

Como não ser, ou ser um pouco menos, fast food?

Falava na viagem. Fui à Foz do Iguaçu recentemente e, aconteceu algo sem dúvida incrível e que sequer havia passado à minha cabeça que ocorrera um dia. Apenas embarquei num dos barcos de turismo, um dia frio, o sol despontara amareladamente tímido, e fomos. Por não saber o percurso e o destino da embarcação, prostrei-me a frente sentado e quieto, observando. O Rio Paraguai tornara-se turbulento de uma hora para outra, a corredeira mostrara quem ali manda: em terra de água quem manda é a natureza. Deixei-a mandar e emanar. E é exatamente isso, de forma inconsciente senti que existe um elo entre toda água do meu corpo e toda água do mundo, e não é recurso literário de pavonear o texto: eu a senti, deixei-a mandar. Foi quando a frase: "As pessoas hoje, estão perdidas no aqui e agora" fez algum sentido além do que apenas literalmente quer dizer, mas a frase é mais reentrante, pura víscera. E nos diz sobre a "intuição" e isto está além da compreensão humana, mesmo aos olhos da ciência mais fina; a intuição está mais próxima, apenas, da corda que harpeja nossa sensação e que por efeito deságua inconsciente em arte.

O barquinho seguiu, tacanho e humilde se se comparado à dimensão vertiginosa do rio. Logo em frente, sem saber o que poderia vir, eis que se abre ao meu lado aquelas cataratas monstruosamente ciclópicas de água, água, e águas. Eu levei um susto tão ciclópico quanto a cascata. O primeiro abalo fora o sobressalto daqueles de esbugalhar os olhos, três ou quatro segundos depois, meu corpo assimilara a síncope imagem, me veio um arrepiamento incontido que dominou parte dos pelos do meu corpo, e lá pelo décimo segundo, num efeito cascata duplamente significante, comecei a chorar. Não conseguia pensar em quase nada, quase, apenas, olhar e chorar. Ali fez todo sentido meu amor mais genuíno e ávido e sereno por cachoeiras desde criança. Mas ali era diferente, era a mãe de todas, a Deusa para quem acredita na Deusa Gaia, o Deus pra quem crê em Deus Pai, Zeus, Tupã, a Mãe Terra, La Madre Tierra, a Hare Krishna, a Pachamama, a Iemanjá rainha dos mares; Elas e Eles me chamaram a estar de volta em seu berço, para um abraço encharcado, após 24 anos de orfandade. Seria burrice, no entanto, me jogar de cabeça na maré tempestuosa e morrer; por sorte o barco de passeio passara bem perto da queda d'água, de forma que todos ali seriam recobertos com uma chuva advinda da cascata. Era a unica forma de retornar à natureza estando vivo pra contar a história; então, já coberto pela chuva, senti as lágrimas escorrendo pelo rosto e sendo levadas e lavadas junto ao corpo da enxurrada, porque somos a mesma coisa no fim das coisas. Quantos animais beberam daquelas águas e urinaram no solo, que foi ao lençol freático, retornou ao leito, depois vapor, depois chuva, e rio, saneamento, hidroelétrica, luz, alguém bebeu, então somos tudo isso, embora não compreendamos o significado de ser humano por achar que não fazemos parte da natureza.

Por fim, a pergunta novamente, como não ser, ou ser menos, geração fast food?

Uma das coisas mais entristecedoras foi o fato de que as pessoas que estavam no barco comigo sequer olharam pra fora do mundo fast food, em outras palavras, olharam para seus celulares registrando a natureza, olharam o registro fotográfico digital da natureza, olharam para si mesmos no reflexo narcísico da assim chamada self, ou, selfast food. Então não tenho a resposta, mas a pergunta. E todos foram embora com seus celulares em busca de mais registros e momentos inesquecíveis, porque ali não encontraram nada.