Assim ou ...nem tanto. 118
O Segredo
Lembra-se do que nunca aconteceu. Os amigos acham que mente de propósito e sem objetivo definido. Por mentir. Diz que sabe a língua de animais tão ferozes como o tigre ou tão melodiosos como as aves canoras. Conta como aprendeu e cansa toda a gente que mete no labiríntico das explicações. É pesado para quem o escuta sem viajar nas suas palavras. É um poeta, diz quem gosta dele. É um aldrabão, garante o vizinho cansado de acreditar em factos inventados. É, digo eu, um contador de histórias, o dono de todos os segredos, o único que sabe o fim ou o começo de qualquer coisa que se queira, que se diga, que se pense sem dizer. E ele conta. Sou dos que nunca o contestam e antes vão, calados, por onde nos leva. Hoje, tinha de ser hoje, ainda sexta, ainda a anoitecer. O mistério, disse, pode deixar de ser se estivermos atentos ao seu último pedaço de tempo ou ao primeiro momento do tempo seguinte. Se conseguirmos por no facto olhos, boca, pele, nariz, ouvidos e a isso tudo em conjunção se juntar a vontade, aí, meus amigos, não há mistério que resista e desaparece como vapor de água que saia de qualquer chaminé. Escolha cada um o seu mistério e desvende-o que eu, hoje, vos revelo o que deixou de ser segredo para mim há instantes. Vi aquela mulher sempre muito coberta. Nuvens, ramagens, luzes, roupa folgada, exageros e dela queria saber tudo se voltasse a passar justamente ao meio do meu sonho. E apanhei-a no último tempo do tempo que tinha para se vestir, passar por mim, iludir e desaparecer. E estava nua como outra qualquer mulher ou como uma vulgar sereia que abandone os mitos: era só beleza, pele, pernas, seios, movimento. Nem luzes, nem nuvens, nem ramagens, nem exageros de espécie alguma. Vai voltar, disse-me, correndo para esconder a nudez.