Nordestinos de Sampa


          Em conseqüência de uma seca horrivel,
          para São Paulo o nordestino vai
          leva no peito uma lembrança incrível
          da boa terra onde morreu seu pai

          Vai pensativo pela sua estrada
          contra o destino na cruel campanha,
          chega em São Paulo sem saber de nada
          entre os costumes de uma gente estranha

          E passa a vida sem gozar sossego
          sem esquecer o seu torrão natal.
          com o salário de um mesquinho emprego
          sua família vai passado mal

          Qundo notícia do Nordeste tem
           com um inverno de mandar plantar
           maior saudade no seu peito vem,
          escrevizado sem poder voltar.

                                             Patativa do Assaré


          Nunca esquecer o  Nordeste. 
          Voltar quando for possível, nem que seja só para beijar o torrão natal, distante e mui querido. É o que ouço dos nordestinos, modestos trabalhadores, que moram em São Paulo. Para eles, voltar à terrinha é, como dizia o lendário paraibano José Américo de Almeida, "uma forma de renascer".

          Vale também lembrar o que, no mesmo sentido, disse Rachel de Queiroz, em Terras ásperas: "Seja qual for a distância e a duração da ausência, não nos esquecemos da velha terra que ficou, no começo da estrada."
          A bela cronista cearense, enquanto a saúde lhe permitiu, voltou, várias vezes, à sua fazenda Não Me Deixes, no sertão do Ceará, pra ver, dizia ela, "os sohins fazendo molecagem pelos galhos do arvoredo".
          Quando estou em São Paulo, divirto-me conversando com muitos nordestinos que vivem e labutam em Sampa.  São taxistas, jardineiros, zeladores e porteiros de prédios e palacetes. Na sua maioria, cearenses, sergipanos, pernambucanos, paraibanos e alagoanos. Gosto de escutá-los. 
         Muitos, apesar de, há décadas, morando em São Paulo, não perderam a verve e, acima de tudo, a dignidade do caboclo do sertão nordestino. Alguns ainda conservam o sotaque de seus pagos, o que os tornar fáceis de serem identificados.
          O porteiro do prédio onde um dos meus filhos morou, em Moema, é paraibano da gema. Vive na capital paulista há mais de trinta anos. Conversando com ele, descobri, tratar-se de um inspirado poeta; um bravo cantador das belezas da cidade de Pombal, seu berço. Nelson é o seu nome.
          Sem que lhe pedisse, ele recitou três ou quatro poemas de sua autoria,  todos carregados de uma melancolia sem limites...
           Também seu Nelson vivia sonhando com o pedacinho de chão que deixara na sua longínqua Paraíba. E falava em voltar, nem que fosse, me dizia sorrindo, "para chupar os doces abacaxis de Campina Grande, e comer um bodinho assado na brasa, com pirão de leite". Perdi-o de vista.
          Para voltar à terrinha, os nordestinos de Sampa precisam de grana e tempo. Voltar de avião, é difícil; a passagem é cara. Resta-lhes o ônibus; nem sempre confortável; nem sempre confiável.  Mais de três dias separam Sampa da maioria das cidades do Nordeste.
           Disse-me um amigo cearense, operário morando no bairro do Limão desde a década de 60, que, agora, não é a longa e demorada viagem que preocupa. Para, em seguida, tristonho, arrematar: "O qui mais preocupa a nóis, doutor, são os assalto aos ônibu que levam a gente ao Nordeste. Ninguém drome com medo dos assaltante, das escopetas". 
          É o caso de se perguntar: roubar o quê dessa pobre gente? Meia dúzia de patacas que eles ganharam, vigiando as manções dos Jardins; ou dando duro nos restaurantes da Paulista; ou, o que é pior, ariscando suas vidas, trabalhando em botecos da perigosa periferia de São Paulo?
         Por que, senhores assaltantes, não deixá-los chegar tranqüilos a Petrolina a Picos, a Cajazeira, a Salgueiro, a Orocó, a Cabrobó, Santa Maria da Vitória, Jati, Brejo Santo e ao Icó?
        Se os bandidos forem nordestinos, na hora de praticarem o crime, não esqueçam que frei Damião nunca lhes concederá a graça que precisarem; que São Francisdo das Chagas de Canindé lhes negará o milagre desejado; e o padim Ciço Romão Batista não lhes perdoará os pecados.
          Ainda que, para conseguirem o perdão, o milagre ou a graça, tenham que ir, à pé, ao Juazeiro do Norte, a Canindé, e ao túmulo de frei Damião, no Recife. 
          Estarão todos irremediavelmente perdidos. 

          

         

 

 


         

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 21/08/2007
Reeditado em 22/10/2019
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