É LINDO E EU NÃO POSSO VER!
Nossos olhos na maioria das vezes não escolhem o que vão ver. Nossos ouvidos estão abertos a todos os ruídos, sons e o que mais possa vibrar ao produzir barulho perto de nós. Simplesmente ao nos projetarmos sobre o que ocorre ao redor, nossa mente como um gravador, registra tudo invariavelmente. É verdade que, por vezes, prestamos mais atenção em algumas coisas, ambientes, sons e pessoas do que em outras. Quase que instintivamente selecionamos em que devemos focar, com nosso gosto, com nossa emoção. E desse modo, ainda vamos nos formando e nos formatando. Somos desse modo a composição de nós mesmos, somados às influências de nossos parentes, dos amigos, das experiências vividas. Com diversas informações é possível que sejamos “experts” em diversos assuntos, mas pode ser que não saibamos o que fazer com tudo isso e com todo esse emaranhado de dados, provas, erros e acertos que construímos e desconstruímos dia após dia.
Esse descobrir e conhecer pode ser algo fascinante! Recorde, tal como uma criança fica maravilhada ao ouvir pela primeira vez um som, uma música e como ela se põe a mexer, a sorrir como se dançasse, como se uma felicidade colossal tomasse o seu corpo. Há também aquelas que experimentam uma comida ou um perfume e se emocionam com tamanho e gracioso sabor ou com uma fragrância incomparável e como isso provoca acalorada alegria! O que se compreende naquela hora é que o mundo mudou de cor! O que era cinza agora se tornou vivo e reluzente! São momentos raros, únicos, mas muito simples e grandiosos! Existem encantamentos assim todos os dias em nossa vida, basta-nos olhar com as lentes da claridade, com olhos cristalizados pela límpida água, que encontraremos uma melhor interpretação sobre tudo o que existe.
Porquanto havia um homem que se encontrava sentado encima de um papelão, no passeio de uma calçada, em uma avenida bastante movimentada. Carros, pessoas, veículos, semáforos e risos, tudo ele tentava perceber com sua audição já que não podia ver. Ele estava ali, no chão, não tinha ninguém por ele, somente aqueles que demonstrassem compaixão e o vissem como era e estava. Os poucos que passavam, viam os escritos em uma plaquinha de papelão e um pote ao lado, que dizia: “Eu sou cego. Por favor ajude!”. Alguns jogavam moedas, como se consternassem pelo estado daquele homem. Em certo momento passou por ali uma moça bem vestida, de saltos altos, mas não jogou nenhuma moeda. Passou, mas resolveu voltar. Pegou a plaquinha de papelão, virou-a ao contrário e parecia escrever nele outras palavras. O cego ficou espantado, não sabia o que estava acontecendo e tentava ler a moça, apalpando suas sandálias e seus pés. Ela não disse nada e após escrever na plaquinha de papelão, colocou-a de volta encostada na lata e saiu sem dizer nada.
De sorte que outras pessoas que por ali transitavam, perceberam e leram as novas palavras e começaram mais e mais a jogar mais moedas e mais dinheiro. E ele começou a ouvir muitas moedas sendo jogadas no pote e no papelão. E a cada hora e cada dia, mais e mais dinheiro as pessoas lhe entregavam, depositavam no pote de uma forma que ele nunca pode entender. Contudo em um novo dia aquela moça de salto alto, apareceu novamente por lá e ele, pelo som e pelas características dos pés e das sandálias, compreendeu que era a mesma moça que escrevera algo em sua plaquinha. Então o cego ansioso e inquieto perguntou: “o que você escreveu na plaquinha? A moça parou, se abaixou, olhou resiliente para ele e disse: “eu escrevi a mesma coisa só que com palavras diferentes.” Ele a agradeceu, ela se levantou e foi embora.
É bem verdade que somos seres sociáveis, devemos viver em comunidade. Somos felizes também porque sabemos que existe alguém por nós. Sem dúvida que nem tudo o que ouvimos pode ser escolhido, que nem tudo o que sentimos é o nosso desejo, que nem tudo o que vemos são belezas. Contudo grande parte da nossa vida são escolhas que contornam toda a nossa trajetória. Por isso é indispensável buscar critérios e decisões conscientes. Talvez não ouçamos o que nos é bem-vindo, mas podemos, por exemplo, escolher o que falamos, o que fazemos. No caso do homem cego, uma mulher com grande sensibilidade e de maneira generosa, escreveu algo em sua plaquinha e a atitude das pessoas foi outra. Ela escreveu o seguinte: “É um lindo dia e eu não posso ver isso.” Então, daqui é possível apreender que quando agimos diferente, quando mudamos as palavras, o mundo também muda.