O nosso
À mesa de um bar, em uma conversa paralela entre amigos com propósito de aliviar o estresse do dia a dia, entre opiniões e devaneios em um assunto de guerra, qual arma seria a mais poderosa? Meu olhar se perdeu no espaço por alguns segundos e antes mesmo de meus olhos voltarem ao foco, meus lábios desenharam discretamente cinco letras num sopro suave: tempo.
As pessoas ao meu redor não se deram conta do pequeno sussurro em meio ao barulho, à música e às pessoas cantando desesperadamente como se suas almas estivessem sendo colocadas para fora dos co(r)pos. Fixei meu olhar em uma jovem em uma mesa no canto do salão. Não muito alta, curvas desenhadas, cabelo castanho à altura dos ombros, roupas discretas, mas que a deixavam visivelmente elegante. Usava óculos, mas isso não intimidava o olhar penetrante dos olhos escuros, cuidadosamente desenhados com lápis preto e cílios longos. Ela sorria. Um sorriso largo enfeitado por batom escuro.
Sem piscar, norteei meus pensamentos tentando imaginar quanto tempo aquele sorriso permaneceria aberto e qual seria o motivo dele. Tempo, tempo, tempo. Tudo se resume a tempo. O melhor remédio, conselheiro, professor, vilão que a humanidade já tentou medir, contar, mensurar. Já tentaram colocar nos pulsos, nas paredes, nas sombras. Mas a verdade é que ninguém nunca irá entender.
Me coloquei a pensar se o tempo daria chance à felicidade bater em minha porta, chegar sorrateira para tomarmos um café num fim de tarde numa varanda florida. Me perguntei se ele curaria minhas marcas, as marcas que deixei, as marcas que deixaram e todas aquelas que o mundo ainda irá deixar. Questione, o quanto dele seria necessário para que as mudanças ocorressem.
Mas que mudanças? Passado, presente, futuro. Tempos verbais que metade da sala odiava na época da escola e que agora eu começava a compreender o porquê. Tudo se resume ao tempo.
O que tanto esperamos, o que tanto queremos? E porque tanto queremos que tanto esperamos?
A todo momento as perguntas não paravam de surgir e meu olhar, ainda fixo, começou a despertar o interesse das pessoas ao meu redor. Aos poucos, algumas vozes se calaram e o ruído ficou menor próximo aos meus ouvidos. Pisquei duas vezes e levei o copo até a boca, engolindo um gole generoso da cerveja já não tão gelada. Pousei o copo sobre a mesa e decidi que não valia mais a pena esperar. Nem pela chuva, nem pela melhor vaga da empresa, nem pelas encomendas que eu rastreava a esmo na transportadora.
Arrumei o cabelo, dei meia dúzia de passos. Burrice, loucura, ousadia? Trombei com aquele sorriso aberto, que se fechou levemente quando nossos olhos se encontraram e ficaram inertes dentro do tempo que ninguém jamais conseguiria explicar. A música continuava, mas ali, ela parou deixando evidente o pulso que, em silêncio, acompanhava. E aquele sorriso, logo engrandeceu, surgindo dois. O dela e o meu.