TEMPO DE SER
Chove.
O que já estava úmido e leve, encharca e pesa.
O barulho da chuva lá fora sufoca o som do artista na sala. Mal dá para ouvi-lo dizer bem que avisou a ela, o tempo passou na janela...
Mas o tempo continua a derramar-se, indiferente se inunda ou não...se traz essa dor, esse aperto, um quê de saudade, de melancolia e felicidade, tudo ao mesmo, com a mesma intensidade e indefinição.
Há um tempo que chove, um tempo pretérito, um tempo presente, um pretérito mais que perfeito...
Há um tempo que tudo envolve. Onde cabe tudo e todos.
O tempo de cada um, o da afirmação de si e negação do outro. Esse tempo é triste. É virtual e enganoso, quando diminui o outro. É uma bola inflada a estourar na primeira cutucada.
O tempo da afirmação de si, se não a serviço de apagar o brilho do outro é o tempo da plenitude, quando o vazio de si mesmo infla a bola que todos veem e reconhecem.
Há um tempo em que se é com todas as consequências. Então felicidade e dor misturam-se, na felicidade sente-se a dor numa via dupla onde sentimentos se espelham. É-se plenamente sem medo, apenas se é.
Olho pela janela...Ainda chove? Não vejo, mas tem aquele sonzinho gostoso, musicado pelas gotas em uníssono...
Cheiro de forno aceso...Atravesso a sala, algo me retém...
Ah! Os desejos, que nos fazem interromper uma caminhada porque algo mais forte nos chamou...
Irresistível o partido alto, sonho, sonho meu, atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu.
Demoro-me a requebrar e querer imitar as passistas. Bom que lá no fundo tem um espelho...
Jeito nenhum tira esse tempo de querer dançar, em plenitude, sendo à minha maneira.
Ir atrás da verde e rosa. Estar viva...
Quem é esse artista que canta? Qual é seu tempo? Antenado com que lado desse tempo?
Não importa, porque chove e meu coração está inundado...
Aqui e agora é o tempo...que não se ouça depois eu bem que avisei, o tempo passou e ninguém viu...
17/11/2017