SOMOS ANTI-HEROÍNAS
Iludidas, carentes, românticas, carinhosas, altruístas, patéticas, dedicadas, incansáveis, obstinadas, choronas, possessivas e fascinantes. Sim, muitas mulheres ( me incluo) são anti-heroínas. Carregamos muito do legado de Emma Bovary e de Luísa do primo Basílio. Sonhamos com um amor à moda dama das camélias, mas com final feliz. Tentamos ser guerreiras como Scarlett O’Hara, mas quando tudo dá errado, choramos e lamentamos a falta de sorte como a infeliz Marguerite Duras.
Acreditamos que o amor nos redimirá de uma culpa maior como o imaginário coletivo. Que nos redimirá de nós mesmas, preenchendo cada uma de nossas lacunas. O amor é para nós como o pote cheio de ouro no fim do arco-íris. A recompensa por um grande sacrifício. O pagamento justo por um dia duro de trabalho. A nota alta na prova depois de semanas de estudo. A gratidão sincera depois de um gesto generoso. Somos como a Dorothy de O mágico de Oz procurando a sua família e o leão desejando a coragem e o homem de lata, um coração. Enfim, buscamos no outro tudo aquilo que deveríamos encontrar em nós mesmos.
Não nego que amar e ser amada é a mais deliciosa dádiva que existe. Mas, e se ela não acontece? Se não somos amadas e amamos a mesma pessoa, sentimos que a vida virou as costas para nós. Bateu a porta na nossa cara. Nos deixou falando sozinhas. Nossas perguntas ficam sem respostas. A comida sem sal. O vinho aguado. As piadas sem graça. Nada faz muito sentido e a gente sai correndo pelo mundo que nem loucas em busca de uma gota de afeto, de um olhar de compreensão, de um simples “Eu te entendo” ou aquele abraço carinhoso que dispensa qualquer palavra. A gente quer conhecer outras religiões, buscar uma crença, uma filosofia de vida , uma doutrina que estanque o nosso sangue, que anestesie a nossa dor intolerável, que faça uma mísera janela se abrir.
Sim, caro leitor. A vida a dois é bem mais prazerosa. Mas quando ela não acontece, temos que pegar todo aquele amor que guardamos cuidadosamente para o outro como as mamães de antigamente reservavam as coxas do frango para os papais e devorá-lo sem moderação. Como bebemos um copo de água depois de um caminhada sob um sol escaldante. Com o prazer do primeiro gole de uma cerveja estupidamente gelada. Com o torpor do abraço depois do amor. Com a imprudência de um banho de chuva. Com a liberdade de uma risada alta demais. Com o despudor de dizer o que se pensa.
Na maioria das vezes, quando estamos preocupadas demais em encontrar e viver o amor, nos esquecemos de nos amar. Deixamos de nos cuidar para cuidar do outro. Não sei explicar o porquê mas as pessoas não valorizam quem cuida dos outros. Amigos sim. Mas parceiros amorosos não. Ou valorizam demais e com medo de não poder corresponder à altura preferem pular fora. Quem cuida eleva o nível da relação e relações elevadas dão trabalho, cansam, exigem aprimoramentos pessoais. Muitos preferem viver relações medíocres e egoístas por preguiça de se tornar alguém melhor.
Chega um momento da vida em que a gente descobre a duras penas que todo aquele amor precisa se voltar para nós. Aceite-o de bom grado. Não despreze o seu amor também como outros fizeram. Pegue-o inteirinho para você. Se você prestar atenção e parar para pensar com calma , verá o quanto você anda precisando dele, o quanto você anda carente e descuidada. O quanto você anda maltratada. A vida continua sim. Com ou sem sentido. E a você cabe fazer o seu melhor possível. A precariedade do mundo e das relações , a fragilidade de nossas crenças não podem servir de desculpas para o nosso desamor em relação a nós mesmas.