O POENTE QUE NUNCA SE PÕE
Parece que os anos cumprem um estranho ritual de nos fazer capengas, um pouco mais a cada dia. É como se estivessem esperado a vida toda para entrar em cena, arrancando o gosto de juventude das nossas bocas com crueldade sem trégua. Ficando velhos nos tornamos quebradiços, alvo fácil para o inimigo nos derrubar num repente qualquer. A idade nos deixa ocos de energia, com o sangue teimando em fazer seu trajeto e o coração batendo só de teimoso, só de birra. Envelhecer nos inunda de medos, destroçando aquele mundaréu de certezas que entendíamos como eternas. Ficar velho é buscar as asas da morte para nelas alvoroçar nossas vãs paixões, nossos ternos repentes de guerreiro de outrora. Ficar velho é deportar, um a um, os nódulos em metástase do vigor, deportar pra dentro da gente bem entendido. Quando sentimos a velhice nos untando feito chocolate derretido do bolo que a mãe nos fazia para o lanche da tarde, entendemos o sentido da ferrugem, do lodo, do troco que não veio, da mão enrugada olhando pelo perdão. Envelhecer nos enxarca de tédio, como agulha torta procurando algo para cutucar até sempre. Velhice é a voz enebriada de um poente que nunca se põe, que nunca sossega, que nunca amansa sua dor. Estou ficando velho e isso me destrambelha de vez. Sinto que minhas amarras vão ficando puídas, meus pés não suportam mais levar-me para onde bem quiser. Choro por dentro feito gado no matadouro, feito labareda maldita, feito soco mal dado. Hoje pouco me respeito por não ter sio capaz de reverter esta lei, a lei da vida, do tempo. Me desespero num torpor azedo, esquisito, esvoaçado. Tento correr de mim e pouco saio do lugar. Não adianta dopar meus caminhos, minhas artimanhas de farsante em tempo real. Fiquei velho e ponto final.
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