Às causas perdidas
Sento-me à beirada da cama, inclinando meu corpo para trás de modo que meus pés deixam de alcançar o chão. Observo as paredes em tom de bege claro já sujo pelo tempo, tão vazias em decoração, mas ao mesmo tempo tão cheias das vidas que já passaram por elas, por momentos que estiveram presentes dentro de poucos metros quadrados, de histórias contadas e recontadas, de sonhos e de pesadelos. Sinto o toque dos lençóis que foram recém-trocados ainda exalando o cheiro dos produtos utilizados na lavagem. Fecho os olhos e respiro fundo. Sem visão, percebo o leve aroma dos óleos de canela queimando no difusor em cima da escrivaninha, costume que sempre tive. Minha mãe sempre disse que eu ainda acabaria queimando a casa por conta dele. Junto com o aroma de canela, percebo os sons no quintal dos vizinhos, preparando as coisas para o dia de trabalho que virá a seguir. Os sons das folhagens e do leve vento batendo à janela fazem com que minha mente ganhe um descanso, um alívio.
Os dias arrastam-se em épocas de pouca bonança. Olho para minha pele e percebo marcas, cicatrizes. Algumas delas ainda estão doendo, ainda precisam de cuidados. Outras já são desenhos abstratos, enfeitando as paredes da minha alma que ao contrário das paredes do meu quarto, estão cheias de arte. Corro o dedo sob cada uma delas e sorrio a cada vez que a dor de alguma faz com que eu arrepie. Já reparou em quantos arrepios diferentes podemos sentir? Medo, surpresa, saudades. Ao completar um caminho de marcas, percebo um largo sorriso e lágrimas nos olhos. Metáforas rasas, paradoxos fracos. E se colocássemos todos os sentimentos em frascos?
Em face frontal, o espelho me diz que tanta arte vem de concertos de amor e perdão. De construções planejadas e favorecidas pelo diário exercício de iluminar, criar, mudar. Ensaio uma risada alta e enrubesço ao lembrar que não estou sozinha. Coloco os dedos sob os lábios ainda em formato de meia lua. Enxuga as lágrimas, edifício forte. Abraço o mundo abraçando minhas imperfeições. Ganho forças. Sigo em frente. E com igual vontade de mudar o mundo, tento ascender o pouco de vida comigo compartilhada, sem me importar com o humor do meu cabelo, tampouco com o que carrego ou com o que carregam dentro da carteira. Apenas sigo. Por amor, às causas perdidas.