A voz humana
O primórdio do tempo:
homens, mulheres, crianças e velhos reunidos ao redor do fogo. Aquecidos não apenas pelo calor da fogueira, mas pela voz humana; histórias narradas, cantadas ao modo de versos. A transmissão oral ao calor da presença de uns e outros, o corpo social dos pais transmitindo corpo social aos filhos. Sociedades de Ser.
Na primazia da sociedade de Ter, sinto falta da sociedade de Ser; esta é coletiva, não feita de indivíduos solitários.
Em minha nostalgia do coletivo, saio para ouvir contadores de histórias, ou poetas cantando seus poemas. Ouvi-los aquece o coração, trata do sentimento de solidão, de isolamento no qual fico trancada quando me esqueço de Ser.
Invisível e material ao mesmo tempo, a voz não é a palavra.
A voz está na palavra modulando-a, ritmando-a e fazendo-a vibrar. O corpo de quem, oralmente, expressa o saber adquirido na experiência consigo mesmo, com o outro e com o mundo vibra. E vibra o corpo de quem compartilha, ouvindo.
Quando me sento em torno de “uma voz”, ou de um “conjunto de vozes”, ou seja, de uma pessoa, ou de pessoas que contam suas experiências, sinto meu corpo vibrar, ecoar e ressoar com os efeitos do(s) outro(s) em mim. Nessas experiências vivo momentos de me diferenciar, e outros de me identificar. Me separo e me uno: transcendo, vou além de mim.