O CELEIRO
(Diário de minhas andanças)
Havia dias em que chovia lá fora.Por vezes grandes volumes de água vinham acompanhados de tormentas,raios e trovões.Noutras,aquelas chuvas mansas,miudinhas e frias.
Destas que costuman escorrer pelos telhados na forma de uma canção sonolenta, adulada e cheia de queixumes...
Retomei uma tarde longínqua:
Deitava-se pelo terreiro lamaçento as águas de um agosto qualquer e um cheiro quase nostálgico das laranjeiras em flor incensava os compartimentos do galpão.
Rebatia a inhaca do môfo que envolvia pelos cantos tôda sorte de quinquilharias, ferramentas, arreamos, espigas e grãos de alguns cereais. Em meio à tudo isso, costumeiramente em dias chuvosos , estabelecia-se a assembléia da piazada do vilarejo.
Tudo acontecia ao redor das jornas (artefato pesado em madeira maçiça utilizado para triturar o milho) com seus ruídos chôcos, suas trepidações que lembravam trovoadas ao longe.Aquelas ! Que parecem estampidos aos sopés das serras.
Às portas do celeiro aglomeravam-se os bezerros famintos, suas desajeitadas mães, galinhas, marrecos, pombos e tantas espécies de penosas quantas por ali existiam, reivindicando seus direitos ao produto triturado no barulhento artefato.
A algazarra corria à solta: guerra de sabugos, caça às ratazanas, confecção de estilingues e anzóis e o revirar interminável das bugigangas de onde sempre surgiam objetos inesperados que imaginava-se desaparecidos.
Os mais velhos ,abusando da hierarquia que a idade lhes assegurava, exerciam seus desmandos deixando a maioria das tarefas aos de pouca idade.A justificativa ficava por conta da "impossibilidade" daquêle que não desempenhasse o trabalho, de integrar a comitiva que tomaria o rumo dos riachos ou da mata, depois que a chuva abrandasse.
Assim, obedientes à cretinice daquêles adolescentes, grandes volumes de espigas eram esfarelados sob o olhar dos , já naquela época, exploradores de mão de obra infantil (A geração atual certamente não seria submissa)
Mas, como nem tudo era somente trabalho,não demorava e éramos convocados a tomar o reforçado café da tarde,após o que, saíamos campo à fora para nossas aventuras.
Pequenas coisas,que deixaram marcas.
Inocência, ingenuidade, naquêle pequeno mundinho de interioranos descobrindo-se para a vida em tôda a dimensão da singeleza que esta sabia ( e sabe ainda) oferecer.
A foto ilustrativa fôra captada numa destas minhas caminhadas.As paredes descoradas dêste galpão, fizeram-me retroceder àquelas tardes de telhados benzidos pelas águas calmas,a algazarra da piazada ao redor das jornas e aquêle cheiro “quase nostálgico” das laranjeiras em flor.
Joel Gomes Teixeira