LÁ VEM O BONDE !

LÁ VEM O BONDE !

"O Bonde SÃO JANUÁRIO /

leva mais um operário... /

sou eu que vou trabalhar" !

(trecho de samba - anos 40/50)

Quem pensou que essa crônica é sobre bondes, enganou-se... tenho pouca simpatia por esses monstrengos, veículos trogloditas barulhentos e lerdos, desconfortáveis -- basta vir uma chuva -- e assustadores. Qualquer trecho em curva põe à prova toda a estrutura desse "rinoceronte" das velhas ruas dos nossos tataravós. O "bicho" rebola, treme, sacoleja, só lhe falta jogar meia dúzia de passageiros no leito da rua. E os que vão em pé, num estribo que mal nos permite assentar a ponta dos sapatos ?! Me surpreendo com a agilidade do cobrador, uma das mãos cheia de tickets ou fichas (já nem lembro mais) e, na outra, cédulas para troco em 3 dedos e os 2 restantes agarrados como ao ferro das colunas... e o bonde suspira, relincha, "empaca" e arranca aos trancos, é um suplício interminável cada "viagem".

Meu amigo professor e escritor Nelson Hoffmann deve ter achado esse "intróito" mais machadiano do que nunca. Se há outra coisa da qual não gosto é Machado de Assis... só pode ser inveja, despeito, intolerância com o sucesso alheio. O "Bruxo do cacete, digo, do Catete" me soa intragável até como cronista de sua época. Mas, creio que gosto mesmo é de contos policiais, de qualquer tempo ou estilo... aliás, o autor gaúcho Nelson Hoffmann tem dois excelentes, em edição particular, que a Editora NOVO CONCEITO poderia reprisar.

Entretanto, falávamos de bondes... ao inferno com êles ! Em 1990/92 o "prefeito-criança" aqui de Belém, na época petista, trouxe por 2 ou mais MILHÕES um Bonde lá de Santos para atravancar as estreitas ruas da área do Ver-o-Peso. Antes, como é de praxe, sem consultar a população, tumultuou por ano e meio o centro comercial -- para o assentamento dos trilhos -- dando imenso prejuízo às lojas por onde a "geringonça" passaria. Até onde sei o "troço" nem viagem inaugural teve e ficou no meio da Praça como testemunho de quanto vale o SUOR do povo que elege "figurinhas" populistas e oportunistas. O sujeito desembarcou da nau lulista pouco antes do "naufrágio" e teve quase todas as suas contas aprovadas por uma dessas entidades" que a gente também sustenta com nosso trabalho... isso quando nos deixam trabalhar. (Os "camelôs" que o digam !) Em 1994 deu uma "rasteira" em quase 50 poetas e escritores locais ao não publicar 2 coletâneas, a partir de um projeto literário oficial, o "A POESIA NOS ÔNIBUS", salvo engano.

São "águas passadas", só que "perdi" 60 livros, pois me classifiquei com obras em 2 categorias (poemas e contos ?) e não consegui acionar a Justiça para obrigar a PMB a cumprir a palavra empenhada. Voltando aos bondes, Belém teve um "lotação" ridículo, em forma de ZEPPELLIN e que só saía aos domingos e feriados -- segundo o músico e jornalista Edgar Augusto Proença -- com trajeto "de bonde", não desviava 1 metro do itinerário.

Em boa parte de Copacabana, dos anos 40/50 não teve bondes, imagine se os ricaços da orla íam embarcar num deles ! Ah, mas na rua Siqueira Campos tinha ! Por longos anos tantos os trilhos quanto a fiação elétrica ficaram expostos como recordação de uma época heróica. O bonde se enfurnava pelo tenebroso Túnel Velho -- onde o "viperino" Carlos Lacerda foi emboscado -- e ía sacolejar seus ferros rangentes lá pros lados de Botafogo e Jardim Botânico. Com o nome de TONELEIROS, com provável final nessa ruela, o motorneiro simplesmente mudava o gancho externo, no teto, pro lado inverso, êle "se mudava" pra outra ponta (dirigia-se pelos 2 extremos) e tudo recomeçava "per omnia saecula".

Mas, QUE MERDA... jurei que não ía falar de bondes ! Só que do "trolleybus" não posso deixar de falar ! Era um "ônibus metido a besta" que, tudo indica, existiu apenas no bairro do Catete " "Bonde" com pneus de borracha, largo, confortável, vidraças enormes, portas duplas, ao contrário dos "lotações" ordinários que meu pai dirigia, tendo a gente como "cobradores" mirins, durante as férias escolares de julho e dezembro. Adiante o "velho" conseguiu emprego como motorista de Embaixada, vestia-se com esmero e jamais abandonava o óculos rayban dourado de lentes verde-oliva, um charme só, num Cadillac branco "rabo de peixe" de dar torcicolo nos amantes de automóveis. Bem depois, por volta de 1958, já estava como "motorista de praça" -- ou "chauffer", o nosso atual "taxista" -- num daqueles carros horrendos de filme de gângsters, que parecem hipopótamos, o supra-sumo do mau-gosto em matéria de design, mas que meio mundo tinha !

Lembro perfeitamente de 2 passagens com bondes, tendo minha mãe por companhia: aos 4 ou 5 anos desembarcando no fervilhante Largo da Carioca, provavelmente para visitar uma famosa Igreja que ficava acima. Na época chamava-se "Tabuleiro da Baiana" não sei porquê... 60 ANOS depois, um grande cartaz está vivo na minha memória (huuummm... eu já sabia ler ?!): "OVOMALTINE, todo carioca da gema toma"! Nunca provei o produto, sei apenas que é à base de chocolate !

A outra lembrança é dramática: em pleno Carnaval, com colar "havaiano" feito de balas coloridas, lá ía eu jorrando lança-perfume nos bondes da linha oposta quando um "verme" deu um tapa na "latinha", desceu do outro bonde, a catou na rua e tornou a subir nele. Passei a detestar tanto carnavais quanto bondes ! Nunca senti tanto a perda de um objeto qualquer !

Nas idas e vindas da Vida acabei tendo que andar de bonde todos os dias, por volta de 1971, como "punição" por mau desempenho (?!) num cargo de direção. Eu liberava os empregados aos domingos, pois havia pouco serviço... um invejoso qualquer informou à Direção e, embora o trabalho seguisse perfeito, não cabia a mim tomar tal decisão sem o conhecimento da Gerência. Daí, fui parar na filial de Santa Teresa, lá no no meio do Morro, agora como entregador comum sem privilégios nem mordomias. Não aguentei... fui demitido e perdi 2 ANOS de férias acumuladas e o FGTS, que ficava "retido" nesses casos ! Livrei-me dos bondes e dos aborrecimentos de um emprego muito chato !

"NATO" AZEVEDO (em 5/nov. 2017)