Uma menina no exílio

Eis que eu me vejo portador de boas novas. Ah, como são formosos os pés daquele que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, que anuncia o bem e faz ouvir a salvação. Era, no mínimo, grande consolo o que eu tinha a oferecer a uma alma doce e aflita. Talvez não houvesse nenhum fato novo, nada que resolvesse o problema do seu coração, a saudade da sua casa, mas eram palavras amigas, palavras que vinham de uma pessoa que não a esqueceu, e no fim das contas isso bastaria para que ela se sentisse bem, esquecesse um pouco da sua luta e tivesse esperança.

Honestamente, eu mal a conhecia. Havíamos nos visto, uma ou duas vezes, mas sem nunca revelar as dores que carregávamos. O que nos unia era uma estranha coincidência, que também nos separava: ela havia se mudado de Brasília para Curitiba logo após eu me mudar de Curitiba para Brasília. Tínhamos uma amiga em comum, e foi por meio dela que eu ouvi, muito por cima, o relato das suas tristezas. Parece que houve um relacionamento complicado e que agora ela queria esquecer. Não procurei saber de detalhes, ignoro até mesmo por que ela foi parar em Curitiba, mas eu já estava do lado dela, desde o momento em que tomei conhecimento que sofria.

E sofria não apenas pelas suas memórias, nem por estar tão longe de sua casa, mas também porque, vocês sabem, não é fácil conviver com o curitibano. O curitibano é tão fechado que, se encontrar a mãe na rua, faz de conta que não viu, nem cumprimenta. E ela não era assim, ela queria se abrir com alguém, mas topava sempre com a nossa pertinaz resistência. Sabedor desses problemas na sua adaptação, eu, que sou descendente do capitão-povoador de Curitiba, mandei a ela alguns e-mails, colocando a sua disposição os meus 300 anos de experiência com a cidade.

Mas, claro, tem coisa que ela não falaria para mim, quem sou eu, um mero conhecido, amigo da sua amiga. Foi então que surgiu a ideia da carta. Ela queria uma carta da sua amiga. Podiam se falar por telefone, podiam mandar e-mail, mas ela queria uma carta. Eu iria viajar para Curitiba dali a alguns dias e resolvi servir de pombo-correio. Quase que essa carta não veio, eu estava quase embarcando no momento em que nossa amiga conseguiu me trazer. E agora eu tinha algumas palavras de ternura para lhe entregar.

Para isso, foi preciso que eu fosse até São José dos Pinhais, onde ela estava, assistindo a um evento de ginástica. Conheço mais ou menos São José dos Pinhais, já me perdi lá algumas vezes, e dessa vez não foi diferente. Parece que em São José dos Pinhais os pontos cardeais se invertem, alguma coisa acontece. Era o início da tarde, eu estava a pé e tomava muito sol. Tomei tanto sol que fiquei queimado. Achei graça: vivendo sob o sol infernal de Brasília, eu não ficava queimado, mas bastaram alguns minutinhos na capital mais fria do país para que eu vermelhasse. Segui adiante, um carteiro nunca falha na missão.

Embora sofrida, aquela que eu encontrei não era exatamente uma menina triste. Era, na verdade, a menina mais simpática com quem eu conversava em um longo tempo. Não sabia quando voltaria à Brasília, e isso a entristecia um pouco, mas tinha um aspecto bom e me fazia bem conversar com ela. Mais alguns minutos de conversa e era capaz de eu ter me apaixonado – tenho dessas carências. Entreguei logo a carta, e não demorou até que nos despedíssemos.

Naturalmente, essa carta só deve ter sido lida bem depois, com calma, em casa, sozinha, quando ela podia se emocionar sem correr risco de ser vista. Gosto de imaginar que ganhou novo ânimo com ela, e que pôde suportar melhor o tempo de seu exílio. Nossos destinos, estava escrito, não haveriam de se cruzar nunca mais: depois que ela voltou a Brasília, eu voltei a Curitiba. E vivemos felizes para sempre.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 02/11/2017
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