Epicurismo

Tenho um amigo que é crítico de futebol em um jornal do interior, aliás, ainda bem que é no interior. De outra forma, acho que já teria sido demitido, pois é dos mais rabugentos.

Ele manda as críticas para mim, não sei muito bem por que. Não entendo nada de futebol, se me dizem o nome de um jogador, em mil tentativas, não acerto nunca o time do sujeito.

Acredito que é uma certa vingança, pois toda semana mando uma crônica para ele. Mas ele diz que gosta e eu aceito. Talvez ele goste mesmo da defesa que faço aos criticados. Ele só fala coisa negativa, fico penalizada. O argumento dele é que o craque não precisa de bajulador, é consagrado, todo mundo sabe que é bom. O ruim é que precisa ser perseguido, execrado até. Assim, ou melhora, ou desiste de uma vez. Já falei para ele que isso pode gerar um grande problema na vida do jogador, que pode estar em uma má fase apenas. Criticas assim podem causar uma depressão. Imagina se o atacante aquele cometesse suicídio, ou se o goleiro se envolvesse em um acidente?

Ele não se importa, diz que é puro prazer. A crítica lhe faz feliz e pronto.

Mas a felicidade foi abalada umas semanas atrás. Algumas ameaças perturbaram meu amigo. No início ele ficou firme, mas depois, o seu algoz mostrou saber demais da sua vida. Foi amolecendo nas palavras e eu cobrando dele, cadê o prazer na crítica?

Insisti sobre as ameaças e ele finalmente contou de quem elas vinham, da esposa, e o jogador era o cunhado. Como ela faz uma lasanha maravilhosa, dentre outras coisas, ele cedeu.

Ana Mello
Enviado por Ana Mello em 20/08/2007
Reeditado em 20/08/2007
Código do texto: T616007