Finados: caveirinhas de açúcar

     1. Os historiadores contam, que coube a um monge beneditino popularizar o Dia de Finados. No ano de 998, um filho de São Bento, Odilo de Cluny, teria pedido aos membros de sua abadia que rezassem pelos mortos.
     2. Consta, porém, que no século II, alguns cristãos visitavam os túmulos dos mártires e por eles oravam demoradamente. No século V, um momento bonito: a Igreja Católica escolhia um dia do ano - atenção! - "para rezar por todos os mortos, pelos quais ninguém rezava e dos quais ninguém se lembrava". 
     3. No século XI, os papas Silvestre II, João XVII e Leão IX obrigaram a comunidade católica a dedicar um dia do ano aos falecidos. Mas, somente no século XIII, dois de novembro passou a ser, oficialmente, o Dia de Finados, com o beneplácito do Vaticano.
     4. Como se pode observar, a Igreja Católica , sempre muito cautelosa, levou um tempão para aceitar essa maneira religiosa de reverenciar a memória dos defuntos. Não o fez aleatoriamente. O Vaticano disse ter encontrado nas Sagradas Escrituras - Jó 1, 18-20 e Mt 12, 32 - fundamentos suficientes para embasar sua decisão
     5. Essa homenagem eu não aceito pacificamente. É uma homenagem dolorosa e triste. Como cultuo, com indisfarçável sinceridade, a memória dos meus mortos, o Dia de Finados é, para mim, um dia de saudades imensas. Não a saudade que desaparece com a volta da pessoa querida, depois de momentânea ausência, mas a saudade daquele que partiu, foi embora... para sempre...
     6. Não vou aos cemitérios no Dia de Finados Me constrange encontrar, nesses lúgubres dormitórios, parentes e amigos  com os quais batera memoráveis papos, agora condenados ao silêncio perpétuo. Reduzidos a pó, não ouvirão minhas preces; não ouvirão meus benditos; não responderão minhas perguntas. 
     7. Invejo os mexicanos. Li que no México, o Día de Los Muertos é dia de muita festa com direito a bolos e doces. Para os mexicanos, é o dia de receber os amigos e parentes mortos, liberados para uma visitinha à Terra. Justo, portanto, que sejam recepcionados com sorrisos e não com lágrimas.
     8. Outra coisa. Adorei saber que, no México,  no Dia de Finados, o povo se diverte e distribui "caveirinhas de açúcar". Essas caveirinhas, não todas, trazem impresso o nome do morto. Acham os astecas que ofertando tão estranho presente, dizem ao obsequiado: "Olha, esta caveira é você, portanto, não tema a morte". 
     9. Pois é. Não costumo ir a velório e nem a cemitério. A enterro, só excepcionalmente e quando dele não posso de forma alguma fugir.
     10. Confesso, pela enésima vez, que sofro, desde menino, de tanatofobia. Para quem não sabe que "mal" é esse, informo: excessivo medo da morte. E quanto mais meus cabelos embranquecem, mais esse medo aumenta.
     11. Justifico minha ausência à esses fúnebres eventos repetindo a genial desculpa que o poeta Vinicius de Moraes  dava para não comparecer a sepultamentos, por mais gentil que fosse o convite e mais amigo o "De cujus". O poetinha: "Os enterros, eliminei-os de minha vida para que possa lembrar vivos os meus mortos".
     12. Neste Dia de Finados, peço mil desculpas aos meus amigos e parentes que irão antes de mim e não me virem nos seu velório e seu enterro. Os que leram esta croniqueta, que escrevo com tarja preta, partirão sabendo o porquê de minha ausência. Os que não a leram, rogo que não se grilem: qualquer dia  nos encontraremos e lhes direi por que não estive presente, na hora do último abraço.  
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/11/2017
Reeditado em 01/11/2017
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