Finados
FINADOS
O dia amanhecera nublado e triste, o céu encoberto por nuvens cinzentas denunciava a ausência do sol, que ante a realeza do dia negara-se a surgir. Afinal, era finado, o dia dos mortos dos esquecidos ou daqueles a quem não esquecemos um só instante... Em todos os quadrantes do universo os cemitérios estão repletos de pessoas que visitam as sepulturas de entes queridos. Milhões de histórias de vidas que não cessaram com a morte, sentimentos que se confundem nas ondas do tempo, do vento e nas tempestades de lagrimas, de uma dor que não passa e de uma saudade que se alonga a cada dia...
Até o surgimento da derradeira esperança, a verdade eterna que todos buscamos, ainda resta um vago caminho a percorrer por nuances desconhecidas, estradas nunca percorridas até que o socorro das paixões se nos acudam ou o amor de Deus nos resgate do vácuo da vida, e nos leve ao caminho da eternidade e se nos encontremos novamente àqueles que muito amamos e que partiram primeiro...
Ah mamãe! Decorreram dez anos que te fostes deixando comigo ainda a grande interrogação. Para onde vamos após essa rápida passagem por esse planeta vazio onde tudo que perpetua são apenas recordações?
Mas, ali parado, orando, pensando, vagueando em amplitudes mil e, foi como se o meu pensamento lhe trouxesse a existência novamente. Como se sua mente fosse um frasco em que colocara uma medida de descontentamento, um grau de nostalgia, uma nota de cansaço, uma pitada de amargura e puff, ela apareceu. Eu estava na extrema direita e ela se materializou à esquerda. Estava tudo no meu campo de visão. Nossa abrupta imobilidade, o nervosismo cinético dos pequenos movimentos contidos, fazia parecer que estávamos num filme de arte, a câmera focalizando bocas, mãos. Cabeças estancadas no ato de se virarem, imagens sucessivas que se tornavam impressionantes pela contemplação com que eram vistas e a persistência de como que eram repetidas mais eu senti os seus carinhos sem iguais a roçar a minha cabeça e a meiguice daquele olhar tranquilizador e esperançoso, mas algo frio tocou-me as costa, era um anjo de mármore, saí do transe notando que lágrimas abundantes me rolavam o rosto e, entre aquela paisagem bucólica de centenas de túmulos e pessoas que circulavam em constante vai e vem eu notei que ela embrenhara-se na multidão mas eu ainda pude ver o seu vestido florido, aquele que ela mais gostava sumindo, mas uma voz chamou-me pelo nome e eu virei para traz e li nas nuvens um pouco mais acima do firmamento as palavras, o céu existe e eu vivo...
Airton Gondim Feitosa