Amigas brilhantes

Na pré adolescência, o sonhar acordado e as viagens intergalácticas eram minhas companhias.

Lembro as noites contemplativas e frias no Sítio Machados.

Alí era o meu lugar. Calçada alta, nascente da nossa casa natal. Rotina, após o jantar: travesseiro em uma mão, meu "chiadinho" rádio de pilha, na outra e torcendo para que o céu estivesse limpo, estrelado.

Nossa, relembro agora cada detalhe daquela tela gigantesca, dinâmica, multiforme e brilhante. Nem precisava ser noite iluarada. As infinitas e distantes estrelas já eram mais do que suficiente para a aquisição do meu passaporte imaginativo.

O flerte inicial era com as Três Marias. Ah! "essas Marias!". Repetia, uma boa noite sem esquecer seus nomes: Mintaka, Alnilan e Alnitak. Tão sedutoras... tão lindas!

Exibidas, reluziam suas formas pra qualquer um. A do meio me chamava mais atenção. Uma "maria" me dilatando a pupila.

Aquela criação infinita, inalcançável, seria o prenúncio do quanto eu seria capaz de amar o intangível, o impossível...

Entre os indecifráveis sons noturnos, vindos das margens do açudinho bem próximo, entre uma e outra música do meu dial AM, de fraca sintonia, eu desviava o olhar para o "cruzeiro do sul", virando-me, queixoso, para a direita.

Alí estavam as minhas cinco amigas da constelação "cruzeiro do sul" a me saudar, a me consolar da impossibilidade de amar uma estrela.

Do quinteto, eu sempre nutria uma sincera simpatia por "pálida", sim, este é o nome da estrela menos brilhante, localizada no braço direito da "cruz". Era a que me ouvia, me dava atenção. Discreta, simples e humilde. Identificava-me tanto com ela!

E, assim, a noite avançava. Minha mãe já iniciara os primeiros chamados: - vem dormir Luiz Antônio! A cada dez minutos de desobediência, o volume dos convites maternos ao repouso do filho mais velho, evoluía gradativamente. E, eu alí, contemplando, namorando, amando aquelas superstars.

De repente, um assustador canto vindo dos pés de pinha, surtia mais efeito do que às ameaças de Dona Nova. Instantaneamente, aquele menino, magro e medroso, corria pra dentro de casa, sem acenar despedida para as suas amigas do alto.

Passaram-se os anos, ganhei alguns quilos, felizmente, não proporcionais aos meus grisalhos, molhados pelas lágrimas estrelares.

Choram os silêncios do "entra menino" da minha mãe e do canto horripilante da corujinha. A primeira, atendendo ao chamamento Divino; a segunda, substituída pela vida moderna das cidades, artificialmente iluminadas que, se não mataram, ofuscaram o brilho adolescente e fascinante das minhas amigas estrelas.

Luiz Rodas
Enviado por Luiz Rodas em 31/10/2017
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