UM MICO NA INFÂNCIA
Da série:Memórias de minha rua
(O Tanquinho do Bugay)
![](/usuarios/57640/fotos/1269237.jpg)
Luiz,meu primo em segundo grau,filho de Mozart (o meu primo mais velho,hoje com 84 anos) foi um dos maiores amigos que tive na infância.
Um assobio logo de manhã era o bastante para que ele surgisse à porta da cozinha em nossa casa,pronto para mais uma jornada.
Combinávamos em tudo e partíamos para as brincadeiras sómente depois de cumpridas as extensas listas de tarefas que nos eram atribuídas.
É claro que os cronogramas traçados por dona Hilda,minha mãe,vez e outra eram bruscamente alterados num pular de cêrcas,por força de nosso nosso vício:
[Aviões !]
Bastava um teco-teco sobrevoar baixo pelo trecho que saíamos em disparada com destino ao campo de pouso a fim de bisbilhotar a máquina.
Às sextas-feiras,batíamos o ponto lá pelas nove da manhã com a certeza da chegada do correio aéreo. A recompensa à tamanha fidelidade ficava por conta dos razantes e acenos do piloto antes de tomar o rumo da cidade de Guarapuava.
Aviões à parte, acredito que os banhos de riacho tenham sido o que de melhor marcou aquela época .
Reunia-se a piazada e as tardes rolavam soltas no potreiro de dona Júlia Bugay,nossa vizinha, por onde serpenteava pequeno córrego desembocando num local largo e não muito profundo à que denominávamos “O tanquinho do Bugay”.
Dona Júlia,polonesa da sêpa,em sua rigidez não admitia aquela farra em seu terreno.Travava-se,então,uma batalha que durou longo tempo.De um lado a intolerância da polonesa (com tôda razão) inconformada com a invasão,chingando aos berros com aquêle sotaque que suprime um "r" na pronúncia:
_ "Bando de cachorada. Sai daí ,vão pra escola cachorada"
De outro nós ,os “sem tanques”, conseguindo na persistência e no cansaço dobrar a valentia da proprietária.
Mozart era um sujeito durão.Conduzia Luizinho à rédeas curtas e coitado deste se saísse fora da linha.O pau comia,no melhor estilo “vara de marmelo”.
Assim,tomávamos muito cuidado com os horários para que Luizinho estivesse em casa antes que o pai retornasse do trabalho.
Maasss...nem tudo nesta vida é perfeito e... A carne é fraca.
Tarde ensolarada! O tanquinho do Bugai brilhando no campo verde.Pouca freqüência naquele dia.Sabotamos as tarefas que ainda estavam por fazer e tomamos o rumo do potreiro,até porque ninguém é de ferro.
A água estava uma delícia.Os gansos protestavam contra a nossa invasão nas águas que lhes pertenciam por direito.Dona Júlia,nos observando do fundo do quintal,resmungava alguns chingamentos incompreensíveis.
Luiz e eu,pelados no tanque.
Saltos,mergulhos,braçadas...E as horas passando,correndo,voando...
Mozart ,para nossa infelicidade,retornara naquele dia um pouco antes do horário costumeiro .
Dá pela falta de Luiz.
Atina pelo famigerado (pra êle) tanquinho.
Chega às escondidas e carrega nossas roupas.
Hora de parar a diversão,voltar pra casa.
Cadê as roupas???
Procura-se daqui,procura-se dali e...nada.
Luiz se desespera e chora escandalosamente.Pergunta-me com insistência:
-E agora?...E agora?... Buah...Buah...
Calmamente a porção índio que já naquela época me habitava, busca uma saída e de posse de galhos de vassoura ,improvisamos saiotes tipo tampões,dianteiros e traseiros,para encarar o pequeno trecho da rua do Fomento por onde inevitavelmente teríamos de cruzar.
[Dois cocares ,e algum estudioso certamente iria interessar-se em descobrir à que tribo pertencíamos]
Entramos na rua ainda ao som dos irritantes soluços de Luiz.Nossas casas não estavam muito distantes e tudo poderia ter saído perfeito,não fosse o encontro inesperado com um enterro subindo em direção ao cemitério.
E, para piorar as coisas: exatamente em frente à casa de dona Júlia. Aquela !
Totalmente sem graça,fomos cruzando meio de lado,e despertando a graça e o riso da pequena multidão que acompanhava o defunto.
Surge então,mais um complicador:Uma taturana que viajava enrustida nas vassouras resolveu dar uma queimadela “nas partes” de Luiz
.Apavorado , sua reação foi descartar a incoveniente.Assim,as mãos que até então agiam como prendedores dos tampões verdes, os liberaram .
Êste, ardendo e pelado,saiu em desabalada carreira rumo à sua casa.
Eu continuei ainda lentamente e a tempo de ouvir as graçinhas cochichadas ,os risos frouxos além de vislumbrar o olhar vitorioso e sarcástico da polonesa assistindo de camarote na varanda de sua moradia.
No dia seguinte,Luiz e eu,nos encontramos novamente para fazer um balanço daquêle nosso mico de infância.
Todo lamentoso,o peladão,vez e outra baixava as calças para mostrar a queimadura da taturana e os dois vergões que Mozart provocara com sua maquiavélica vara de marmelo.
Êste episódio me veio à lembrança assim que deparei com o açude da foto,que lembra um pouco o “tanquinho do Bugay”.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
16/11/2011 04:16 - Chico Chicão
Que delícia de lembranca.Você tinha o tanque e eu o *bicão* do riacho que descia do morro onde hoje está a Basílica de N.S.Aparecida.Certa feita,levei uma surra que me inchou um dedo pela farpa do bambu verde.Mas era gostoso!É...não sei porque a gente cresce.Escreva mais amigo.Mate as suas saudades e as nossas também.Obrigado.Fique na paz!
![90780-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/90780-mini.jpg)
08/07/2011 22:51 - Geraldo Rodrix
Lido, descíamos o ribeirão das almas na cheia escondidos de nossos pais flutuando em troncos de bananeiras ou gameleiras secas. como diria Ataulfo Alves...eu não sei porque a gente cresce se não sai da mente essas lembranças.Abraços.Rodrix
17/06/2011 19:26 - lilianreinhardt [não autenticado]
Poeta que coisa mais linda esse texto. Pureza, evocação de raízes, costumes, vivencias, um tempo resgatado que se eterniza, lindo demais, parabéns!
![59032-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/59032-mini.jpg)
16/06/2011 20:49 - Anita D Cambuim
Eita infância movimentada! Este Mozart melhor faria se gostasse de música e não berro de menino castigado. Abraço.
![43722-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/43722-mini.jpg)
16/06/2011 18:15 - DOCE VAL
Maravilhosa homenagem para seu amigo...Que bom ter um amigo e sentir todo este carinho por ele, e ser correspondido no mesmo grau...Beijos no coração, paz e luz sempre.
![89518-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/89518-mini.jpg)
16/06/2011 18:11 - YARA FRANÇA
QUE AVENTURA!!! É MUITO AZAR SER QUEIMADO POR UMA TATURANA. 'TADINHO DO MENINO!!!
16/06/2011 16:07 - Jane Lopes [não autenticado]
Ô Poeta, que maravilha ler-te. Memórias... ai de nós sem elas. Um afetuoso abraço pra ti.P.S. As fotos são belíssimas, parabéns.
![94934-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/94934-mini.jpg)
16/06/2011 00:17 - marina zamora
Uma delícia de história. Como viajar por um paraíso perdido. Muito bom mesmo. Abraços
Da série:Memórias de minha rua
(O Tanquinho do Bugay)
![](/usuarios/57640/fotos/1269237.jpg)
Luiz,meu primo em segundo grau,filho de Mozart (o meu primo mais velho,hoje com 84 anos) foi um dos maiores amigos que tive na infância.
Um assobio logo de manhã era o bastante para que ele surgisse à porta da cozinha em nossa casa,pronto para mais uma jornada.
Combinávamos em tudo e partíamos para as brincadeiras sómente depois de cumpridas as extensas listas de tarefas que nos eram atribuídas.
É claro que os cronogramas traçados por dona Hilda,minha mãe,vez e outra eram bruscamente alterados num pular de cêrcas,por força de nosso nosso vício:
[Aviões !]
Bastava um teco-teco sobrevoar baixo pelo trecho que saíamos em disparada com destino ao campo de pouso a fim de bisbilhotar a máquina.
Às sextas-feiras,batíamos o ponto lá pelas nove da manhã com a certeza da chegada do correio aéreo. A recompensa à tamanha fidelidade ficava por conta dos razantes e acenos do piloto antes de tomar o rumo da cidade de Guarapuava.
Aviões à parte, acredito que os banhos de riacho tenham sido o que de melhor marcou aquela época .
Reunia-se a piazada e as tardes rolavam soltas no potreiro de dona Júlia Bugay,nossa vizinha, por onde serpenteava pequeno córrego desembocando num local largo e não muito profundo à que denominávamos “O tanquinho do Bugay”.
Dona Júlia,polonesa da sêpa,em sua rigidez não admitia aquela farra em seu terreno.Travava-se,então,uma batalha que durou longo tempo.De um lado a intolerância da polonesa (com tôda razão) inconformada com a invasão,chingando aos berros com aquêle sotaque que suprime um "r" na pronúncia:
_ "Bando de cachorada. Sai daí ,vão pra escola cachorada"
De outro nós ,os “sem tanques”, conseguindo na persistência e no cansaço dobrar a valentia da proprietária.
Mozart era um sujeito durão.Conduzia Luizinho à rédeas curtas e coitado deste se saísse fora da linha.O pau comia,no melhor estilo “vara de marmelo”.
Assim,tomávamos muito cuidado com os horários para que Luizinho estivesse em casa antes que o pai retornasse do trabalho.
Maasss...nem tudo nesta vida é perfeito e... A carne é fraca.
Tarde ensolarada! O tanquinho do Bugai brilhando no campo verde.Pouca freqüência naquele dia.Sabotamos as tarefas que ainda estavam por fazer e tomamos o rumo do potreiro,até porque ninguém é de ferro.
A água estava uma delícia.Os gansos protestavam contra a nossa invasão nas águas que lhes pertenciam por direito.Dona Júlia,nos observando do fundo do quintal,resmungava alguns chingamentos incompreensíveis.
Luiz e eu,pelados no tanque.
Saltos,mergulhos,braçadas...E as horas passando,correndo,voando...
Mozart ,para nossa infelicidade,retornara naquele dia um pouco antes do horário costumeiro .
Dá pela falta de Luiz.
Atina pelo famigerado (pra êle) tanquinho.
Chega às escondidas e carrega nossas roupas.
Hora de parar a diversão,voltar pra casa.
Cadê as roupas???
Procura-se daqui,procura-se dali e...nada.
Luiz se desespera e chora escandalosamente.Pergunta-me com insistência:
-E agora?...E agora?... Buah...Buah...
Calmamente a porção índio que já naquela época me habitava, busca uma saída e de posse de galhos de vassoura ,improvisamos saiotes tipo tampões,dianteiros e traseiros,para encarar o pequeno trecho da rua do Fomento por onde inevitavelmente teríamos de cruzar.
[Dois cocares ,e algum estudioso certamente iria interessar-se em descobrir à que tribo pertencíamos]
Entramos na rua ainda ao som dos irritantes soluços de Luiz.Nossas casas não estavam muito distantes e tudo poderia ter saído perfeito,não fosse o encontro inesperado com um enterro subindo em direção ao cemitério.
E, para piorar as coisas: exatamente em frente à casa de dona Júlia. Aquela !
Totalmente sem graça,fomos cruzando meio de lado,e despertando a graça e o riso da pequena multidão que acompanhava o defunto.
Surge então,mais um complicador:Uma taturana que viajava enrustida nas vassouras resolveu dar uma queimadela “nas partes” de Luiz
.Apavorado , sua reação foi descartar a incoveniente.Assim,as mãos que até então agiam como prendedores dos tampões verdes, os liberaram .
Êste, ardendo e pelado,saiu em desabalada carreira rumo à sua casa.
Eu continuei ainda lentamente e a tempo de ouvir as graçinhas cochichadas ,os risos frouxos além de vislumbrar o olhar vitorioso e sarcástico da polonesa assistindo de camarote na varanda de sua moradia.
No dia seguinte,Luiz e eu,nos encontramos novamente para fazer um balanço daquêle nosso mico de infância.
Todo lamentoso,o peladão,vez e outra baixava as calças para mostrar a queimadura da taturana e os dois vergões que Mozart provocara com sua maquiavélica vara de marmelo.
Êste episódio me veio à lembrança assim que deparei com o açude da foto,que lembra um pouco o “tanquinho do Bugay”.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
16/11/2011 04:16 - Chico Chicão
Que delícia de lembranca.Você tinha o tanque e eu o *bicão* do riacho que descia do morro onde hoje está a Basílica de N.S.Aparecida.Certa feita,levei uma surra que me inchou um dedo pela farpa do bambu verde.Mas era gostoso!É...não sei porque a gente cresce.Escreva mais amigo.Mate as suas saudades e as nossas também.Obrigado.Fique na paz!
![90780-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/90780-mini.jpg)
08/07/2011 22:51 - Geraldo Rodrix
Lido, descíamos o ribeirão das almas na cheia escondidos de nossos pais flutuando em troncos de bananeiras ou gameleiras secas. como diria Ataulfo Alves...eu não sei porque a gente cresce se não sai da mente essas lembranças.Abraços.Rodrix
17/06/2011 19:26 - lilianreinhardt [não autenticado]
Poeta que coisa mais linda esse texto. Pureza, evocação de raízes, costumes, vivencias, um tempo resgatado que se eterniza, lindo demais, parabéns!
![59032-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/59032-mini.jpg)
16/06/2011 20:49 - Anita D Cambuim
Eita infância movimentada! Este Mozart melhor faria se gostasse de música e não berro de menino castigado. Abraço.
![43722-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/43722-mini.jpg)
16/06/2011 18:15 - DOCE VAL
Maravilhosa homenagem para seu amigo...Que bom ter um amigo e sentir todo este carinho por ele, e ser correspondido no mesmo grau...Beijos no coração, paz e luz sempre.
![89518-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/89518-mini.jpg)
16/06/2011 18:11 - YARA FRANÇA
QUE AVENTURA!!! É MUITO AZAR SER QUEIMADO POR UMA TATURANA. 'TADINHO DO MENINO!!!
16/06/2011 16:07 - Jane Lopes [não autenticado]
Ô Poeta, que maravilha ler-te. Memórias... ai de nós sem elas. Um afetuoso abraço pra ti.P.S. As fotos são belíssimas, parabéns.
![94934-mini.jpg](http://static.recantodasletras.com.br/imagens/fotos/94934-mini.jpg)
16/06/2011 00:17 - marina zamora
Uma delícia de história. Como viajar por um paraíso perdido. Muito bom mesmo. Abraços