CHEIROSO EMPREENDIMENTO - FRUSTRADO
Da série:
Memórias da minha rua
Uma nova indústria estava nascendo na rua do Fomento.Ficaríamos milionários!...Era o que pensávamos ;meu amigo Jaci e eu.
Pesquisando em uma antiga enciclopédia haviámos encontrado um capítulo sobre a história da perfumaria, sua origem, evolução e as técnicas usadas na extração de essências.
Um relato dava conta de que numa tarde quente de verão há uns 400 anos, quando a rainha da França, sedenta, tendo parado numa aldeia da Riviera, pediu algo fresco para beber.
Deram-lhe um copázio d´agua rescendendo à flores de laranjeira, e ela ficou tão encantada com a suavidade do aroma daquêle líquido que ordenou a um alquimista que criasse tantos aromas quantas fossem as muitas variedades de flores da região, permitindo com isso que seus cortesãos usassem um diferente todos os dias.
Assim,a rainha Catarina de Médici logo tornou em moda o uso do perfume,e Grasse, a tal aldeia no Sul da França, tornou-se o centro de uma indústria de alcançe mundial.
Rodopiaram-se as idéias, luziram-se os olhares, e então vimo-nos numa aldeia ao Sul do Paraná que faríamos tornar-se o centro de uma indústria, senão de alcançe mundial, ao menos regional, inicialmente.
A matéria prima era abundante e viria do quintal de vovó.
Caso esgotasse, os suprimentos viriam de invasões já planejadas aos quintais de tia Flora e outros mais pela vizinhança. Isso não seria problema.
Setembro vivia seus melhores dias e os roseirais andavam esbanjando flores.O muro havia quase desaparecido sob o manto cheiroso das madressilvas.Junquilhos e outras espécies alastravam-se por todos os cantos.Tudo conspirava a nosso favor.
Duas técnicas que havíamos pesquisado,seriam colocadas em ação:A distilação e a extração por enfleurage.Esta, por ser mais complexa nos exigiria um trabalho maior.Assim,ficaria para uma segunda etapa.
Quanto à distilação, improvisamos para o alambique ,uma velha chaleira de ágata e alguns tubos finos de plástico herméticamente adaptados ao bico em comprimento suficiente para cruzar em espiral por um latão contendo água fria.Ali daria-se a condensação do vapor a cair numa pequena jarra de vidro,sob forma de "milionárias gotas de essência", conforme tínhamos pesquisado.
Para a enfleurage,escolhemos o celeiro proximo ao milharal onde dividiríamos com as ratazanas,um pequeno espaço para o nosso laboratório.
Seria uma segunda etapa,uma vez que iríamos precisar de placas de vidro a serem besuntadas diariamente com gordura animal e a consequente troca das flores a ser maceradas.Não dispunhamos dos vidros e isso iria atrasar um pouco o nosso projeto.
Estávamos eufóricos!...
Meu amigo Jaci se encarregaria da parte financeira.Iria vender os produtos e cuidar dos milhões que antevíamos, já que êsse segmento sempre gerou cifras astronômicas.
A sua indicação para o setor,deu-se em função da reconhecida habilidade (lábia) em fazer negócios.
Mantinha em sua casa a "gaveta das trocas", onde acumulava tôda sorte de quinquilharias que trocava ou vendia sempre com aviltantes margens de lucro a seu favor.
Foi numa tarde de domingo quando pusemos em funcionamento o nosso alambique.A chaleira entupida de pétalas e uma pequena quantidade de água.
Ardiam as labaredas sob o tripé de sustentação,enquanto ansiosos,esfregávamos as mãos à espera do precioso líquido.
Chegara naquele momento, para uma visita,dona Diva ,nossa professôra naquela época. Extrovertida ,sempre sorridente, nos abraçou certificando-se do que acontecia por ali.Ficou fascinada ao tomar conhecimento do projeto.Juntou-se a nós e ficamos os três na longa espera pelas gotinhas mágicas.Eis que de repente inicia-se o tal conta gôtas.
Jaci, com cifrões bailando pelas retinas, abaixa-se para aspira-las.
Diva puxa-lhe pelo suspensório.
_Calma, diz ela!...Espere um pouco mais.Também estou curiosa,mas há que se ter paciência guri !...
Apertando-me as bochechas , com certo orgulho na voz profere:
_"Êsse gordinho é criativo !"
Alguns minutos mais e o resultado fora tão somente uns poucos milimetros de uma água ligeiramente perfumada.
[Água de rosas !...]
_Cadê as gotinhas ?...A essência ?...Esbraveja Jaci do departamento financeiro.
Diva divertia-se com tamanha ingenuidade !
_Meninos, disse ela, esqueceram-se de pesquisar que para obtenção de um quilo de essência, são necessárias mais de uma tonelada de pétalas !?
_Tudo isso ?...Diz o encarregado das finanças ,meio cabisbaixo.
_Sim, responde-lhe a professôra, afagando seus cabelos.
Mas não desanimem, pois o mais importante nisso tudo foi a curiosidade, a pesquisa, a tentativa de vocês.
Vou levar êsse fato ao conhecimento da secretaria de educação.Vocês foram brilhantes e eu estou orgulhosa dêstes meus alunos !...
Se levara, ou não, nunca soubemos. Frustrava-se naquêle instante um grande empreendimento.
Juntos amargamos a poda de nosso primeiro sonho no mundo dos negócios.
Fomos obrigados a reconhecer que "aquele pessoalzinho lá da França", levava mais jeito pra coisa.
O roseiral de vovó e os quintais da rua do Fomento,respiraram aliviados.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
05/11/2011 23:15 - Giustina
Tentativas sempre são válidas, dêem ou não certo. Especialmente quando se é jovem e curioso. Adorei tua crônica! Inclusive a Catarina de Medici era bem vaidosa! Na minha crônica sobre salto alto, falo nela.
05/11/2011 08:16 - Carlinhos Colé
Lírico, bem humorado e instrutivo texto. Parabéns!
04/11/2011 20:25 - Sunny Landrith
Perfeito. Primeiro, porque adorei saber da origem do cheiro de flor de laranjeira, uma das mais lindas flores que existem. Segundo, porque fiquei amiga do Jaci. Seu texto lindo levou-me ao pensamento uma coisinha interessante(conte para ele) -a técnica para os florais, aqueles que são muito$$$$ vendidos, é bem mais fácil. Você bota as flores pra dormir nos sereno. Juro que li isso um dia. - Amei as fotos. É poeta, contista, fotógrafo, simpático, amigo... Boa noite!
04/11/2011 15:30 - Antonio Fernando Ribeiro
Iratiense. Parabéns. Que lição, que aula. Obrigado pelo perfume que senti lendo tão linda e bela crônica ilustrada com fotos que nos convidam a um sonho perfumado. Parabéns outra vez. Convido você para ler e comentar a crônica: Ser o que não são. Obrigado. Antonio
04/11/2011 08:44 - Sô Lalá
Bom dia Iratiense. Sonhos empreendedores com perfumes das rosas da vovó. Um abraço.
04/11/2011 01:38 - Chico Chicão
Como sou um aposentado e meu sonho é ir morar em Jardim Olinda(norte do Paraná),cidade de tranquilidade e pescaria,lá vou montar uma fábrica de perfumes conforme o seu conto detalhou.Se der certo,eu te conto algum dia após ler mais contos de tua autoria.Fique na paz!
03/11/2011 19:26 - luciana vettorazzo cappelli
O suspense é muito bem trabalhado nesta cronica, emocionante do começo ao fim. Ficamos nós também os leitores esperando as tais gotinhas perfumadas: litros e litros delas...Parabéns, Iratiense! Grande feito de empresário e grande feito de cronista!
03/11/2011 18:53 - Anita D Cambuim
Que viagem! Muito legais as suas aventuras perpetuadas em crônicas. Abraço.
03/11/2011 18:18 - magda crovador
Querido amigo, senti o perfume das flores. Fiquei a contemplar esse imenso jardim de matéria prima, exalando cheiro por todos os lados. Como ficaram os dois cientistas, que pensando bem estavam no caminho certo, das experiências empíricas. Que época boa, não é? Tudo é sonho e nada parece dar errado. Não preciso falar que o texto está um primor e as imagens divinas. Parabéns. Obrigada pelo lindo comentário. Sempre é mais tranquilo quando o padrinho abençoa. rsrsr Uma boa semana. Beijos de Luz.
03/11/2011 17:56 - YARA FRANÇA
E os quintais da avó e da tia foram poupados, que alívio. Oh, desculpa, estou falando com um ex-futuro grande empresario da ramo da perfumaria. UM barato. Parabés.
Da série:
Memórias da minha rua
Uma nova indústria estava nascendo na rua do Fomento.Ficaríamos milionários!...Era o que pensávamos ;meu amigo Jaci e eu.
Pesquisando em uma antiga enciclopédia haviámos encontrado um capítulo sobre a história da perfumaria, sua origem, evolução e as técnicas usadas na extração de essências.
Um relato dava conta de que numa tarde quente de verão há uns 400 anos, quando a rainha da França, sedenta, tendo parado numa aldeia da Riviera, pediu algo fresco para beber.
Deram-lhe um copázio d´agua rescendendo à flores de laranjeira, e ela ficou tão encantada com a suavidade do aroma daquêle líquido que ordenou a um alquimista que criasse tantos aromas quantas fossem as muitas variedades de flores da região, permitindo com isso que seus cortesãos usassem um diferente todos os dias.
Assim,a rainha Catarina de Médici logo tornou em moda o uso do perfume,e Grasse, a tal aldeia no Sul da França, tornou-se o centro de uma indústria de alcançe mundial.
Rodopiaram-se as idéias, luziram-se os olhares, e então vimo-nos numa aldeia ao Sul do Paraná que faríamos tornar-se o centro de uma indústria, senão de alcançe mundial, ao menos regional, inicialmente.
A matéria prima era abundante e viria do quintal de vovó.
Caso esgotasse, os suprimentos viriam de invasões já planejadas aos quintais de tia Flora e outros mais pela vizinhança. Isso não seria problema.
Setembro vivia seus melhores dias e os roseirais andavam esbanjando flores.O muro havia quase desaparecido sob o manto cheiroso das madressilvas.Junquilhos e outras espécies alastravam-se por todos os cantos.Tudo conspirava a nosso favor.
Duas técnicas que havíamos pesquisado,seriam colocadas em ação:A distilação e a extração por enfleurage.Esta, por ser mais complexa nos exigiria um trabalho maior.Assim,ficaria para uma segunda etapa.
Quanto à distilação, improvisamos para o alambique ,uma velha chaleira de ágata e alguns tubos finos de plástico herméticamente adaptados ao bico em comprimento suficiente para cruzar em espiral por um latão contendo água fria.Ali daria-se a condensação do vapor a cair numa pequena jarra de vidro,sob forma de "milionárias gotas de essência", conforme tínhamos pesquisado.
Para a enfleurage,escolhemos o celeiro proximo ao milharal onde dividiríamos com as ratazanas,um pequeno espaço para o nosso laboratório.
Seria uma segunda etapa,uma vez que iríamos precisar de placas de vidro a serem besuntadas diariamente com gordura animal e a consequente troca das flores a ser maceradas.Não dispunhamos dos vidros e isso iria atrasar um pouco o nosso projeto.
Estávamos eufóricos!...
Meu amigo Jaci se encarregaria da parte financeira.Iria vender os produtos e cuidar dos milhões que antevíamos, já que êsse segmento sempre gerou cifras astronômicas.
A sua indicação para o setor,deu-se em função da reconhecida habilidade (lábia) em fazer negócios.
Mantinha em sua casa a "gaveta das trocas", onde acumulava tôda sorte de quinquilharias que trocava ou vendia sempre com aviltantes margens de lucro a seu favor.
Foi numa tarde de domingo quando pusemos em funcionamento o nosso alambique.A chaleira entupida de pétalas e uma pequena quantidade de água.
Ardiam as labaredas sob o tripé de sustentação,enquanto ansiosos,esfregávamos as mãos à espera do precioso líquido.
Chegara naquele momento, para uma visita,dona Diva ,nossa professôra naquela época. Extrovertida ,sempre sorridente, nos abraçou certificando-se do que acontecia por ali.Ficou fascinada ao tomar conhecimento do projeto.Juntou-se a nós e ficamos os três na longa espera pelas gotinhas mágicas.Eis que de repente inicia-se o tal conta gôtas.
Jaci, com cifrões bailando pelas retinas, abaixa-se para aspira-las.
Diva puxa-lhe pelo suspensório.
_Calma, diz ela!...Espere um pouco mais.Também estou curiosa,mas há que se ter paciência guri !...
Apertando-me as bochechas , com certo orgulho na voz profere:
_"Êsse gordinho é criativo !"
Alguns minutos mais e o resultado fora tão somente uns poucos milimetros de uma água ligeiramente perfumada.
[Água de rosas !...]
_Cadê as gotinhas ?...A essência ?...Esbraveja Jaci do departamento financeiro.
Diva divertia-se com tamanha ingenuidade !
_Meninos, disse ela, esqueceram-se de pesquisar que para obtenção de um quilo de essência, são necessárias mais de uma tonelada de pétalas !?
_Tudo isso ?...Diz o encarregado das finanças ,meio cabisbaixo.
_Sim, responde-lhe a professôra, afagando seus cabelos.
Mas não desanimem, pois o mais importante nisso tudo foi a curiosidade, a pesquisa, a tentativa de vocês.
Vou levar êsse fato ao conhecimento da secretaria de educação.Vocês foram brilhantes e eu estou orgulhosa dêstes meus alunos !...
Se levara, ou não, nunca soubemos. Frustrava-se naquêle instante um grande empreendimento.
Juntos amargamos a poda de nosso primeiro sonho no mundo dos negócios.
Fomos obrigados a reconhecer que "aquele pessoalzinho lá da França", levava mais jeito pra coisa.
O roseiral de vovó e os quintais da rua do Fomento,respiraram aliviados.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
05/11/2011 23:15 - Giustina
Tentativas sempre são válidas, dêem ou não certo. Especialmente quando se é jovem e curioso. Adorei tua crônica! Inclusive a Catarina de Medici era bem vaidosa! Na minha crônica sobre salto alto, falo nela.
05/11/2011 08:16 - Carlinhos Colé
Lírico, bem humorado e instrutivo texto. Parabéns!
04/11/2011 20:25 - Sunny Landrith
Perfeito. Primeiro, porque adorei saber da origem do cheiro de flor de laranjeira, uma das mais lindas flores que existem. Segundo, porque fiquei amiga do Jaci. Seu texto lindo levou-me ao pensamento uma coisinha interessante(conte para ele) -a técnica para os florais, aqueles que são muito$$$$ vendidos, é bem mais fácil. Você bota as flores pra dormir nos sereno. Juro que li isso um dia. - Amei as fotos. É poeta, contista, fotógrafo, simpático, amigo... Boa noite!
04/11/2011 15:30 - Antonio Fernando Ribeiro
Iratiense. Parabéns. Que lição, que aula. Obrigado pelo perfume que senti lendo tão linda e bela crônica ilustrada com fotos que nos convidam a um sonho perfumado. Parabéns outra vez. Convido você para ler e comentar a crônica: Ser o que não são. Obrigado. Antonio
04/11/2011 08:44 - Sô Lalá
Bom dia Iratiense. Sonhos empreendedores com perfumes das rosas da vovó. Um abraço.
04/11/2011 01:38 - Chico Chicão
Como sou um aposentado e meu sonho é ir morar em Jardim Olinda(norte do Paraná),cidade de tranquilidade e pescaria,lá vou montar uma fábrica de perfumes conforme o seu conto detalhou.Se der certo,eu te conto algum dia após ler mais contos de tua autoria.Fique na paz!
03/11/2011 19:26 - luciana vettorazzo cappelli
O suspense é muito bem trabalhado nesta cronica, emocionante do começo ao fim. Ficamos nós também os leitores esperando as tais gotinhas perfumadas: litros e litros delas...Parabéns, Iratiense! Grande feito de empresário e grande feito de cronista!
03/11/2011 18:53 - Anita D Cambuim
Que viagem! Muito legais as suas aventuras perpetuadas em crônicas. Abraço.
03/11/2011 18:18 - magda crovador
Querido amigo, senti o perfume das flores. Fiquei a contemplar esse imenso jardim de matéria prima, exalando cheiro por todos os lados. Como ficaram os dois cientistas, que pensando bem estavam no caminho certo, das experiências empíricas. Que época boa, não é? Tudo é sonho e nada parece dar errado. Não preciso falar que o texto está um primor e as imagens divinas. Parabéns. Obrigada pelo lindo comentário. Sempre é mais tranquilo quando o padrinho abençoa. rsrsr Uma boa semana. Beijos de Luz.
03/11/2011 17:56 - YARA FRANÇA
E os quintais da avó e da tia foram poupados, que alívio. Oh, desculpa, estou falando com um ex-futuro grande empresario da ramo da perfumaria. UM barato. Parabés.