A Planta Maria
 
Nos jardins de nossas infâncias havia aquele arbusto pequeno com folhas aveludadas e redondas. As flores eram de várias cores, a mais comum o alaranjado.
 

Chamava a atenção pela folhagem verde translúcido e pela intensidade da coloração das flores resistentes e persistentes à chuva, frio e calor, não importando a estação climática. Percebia-se a inexistência de pragas que pudessem causar-lhes danos como ocorria com outras. Estas flores resistiam até às formigas.

 
Somando-se a isto a abundância do arbusto e a facilidade do replantio – bastava um galho quebrado em contato com a terra e tinha-se nova muda da planta – ela era vista com certo desprezo. E lá vinha o seu nome popular:

 
- Vovó, como chama esta planta? Perguntava aquele garotinho sempre acompanhando a avó em sua jardinagem.

- Ah, esta planta é bonita, mas pega com facilidade e por isto é a “maria sem-vergonha” do jardim. Era a resposta.

-Mas, vovó, ela é bonita, colorida e as folhas são cheirosas!

- Mas é maria-sem-vergonha!
 
Nas tardes de verão, nas férias, via sua irmã e amigas adolescentes recolhendo os cachos floridos da planta. E elas despencavam as pétalas das flores para serem coladas com salivas em suas unhas imitando esmaltes que as mulheres já feitas usavam. Afinal, meninas moças da época não podiam pintar as unhas, pois havia um rigoroso tabu social que regulava condutas.


E o menino perguntava àquelas mocinhas:
- Qual o nome desta planta que é a “maria sem vergonha” do jardim?
As magrinhas meninas respondiam rindo:
- É a “maria-gorda”!
 
Maria-sem-vergonha, maria gorda... não eram nomes que satisfaziam a compreensão daquele garoto. Se no jardim havia rosa, lírio, hortênsia, violeta, por que aquelas recebiam nomes tão extravagantes?!

Mas estes eram os nomes que as pessoas davam a tal planta tão comum nos jardins e jardineiras e em qualquer lugar propício ao seu plantio naquela região.
 
Estes nomes – “mariasemvergonha”, “mariagorda” – despiam as flores de toda sua beleza e desprezavam o cheiro exalado de suas veludadas folhas e caules.
 
Quando os regionalismos diminuíram, os meios de comunicação facilitaram os intercâmbiose a informação invadiu os lares brasileiros   tudo mudou. Soube-se que a desvalorizada maria-sem-vergonha ou maria-gorda tinha um nome todo pomposo. Os olhares sobre a beleza daquela planta mudou. Todos  aprenderam  que  aquela flor era o garboso Gerânio. Ele tomou conta das entradas e jardineiras das casas.

Em outras regiões o gerânio era  conhecido pejorativamente também como catinga-de-mulata,  pelargônio e sardinheira.

No mundo capitalista a indústria encontrou a essência do gerânio e a “catinga-de-mulata” virou incenso purificador de ar.


Simples assim! Se o acesso à informação e ao conhecimento é capaz de mudar o olhar sobre uma planta, imagina  o que pode provocar sobre um povo.
 
Leonardo Lisbôa
Barbacena 06/07/2017
   
 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 27/10/2017
Reeditado em 28/10/2017
Código do texto: T6154848
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