Duas Crianças
Vejo duas crianças! Não imagino seus sonhos, seus anseios ou
conjecturas de futuro. Brincam, brigam e se amam. Amam a si, a
nós e ao mundo. Não vejo peso de responsabilidade em seus
olhos, muito menos ganância no querer. Vivem de forma fluida
e contínua, exigem atenção, reclamam carinho e afeto. Purgam
seus pecados pela inocência auferida com seus poucos anos de
vida. Quando agridem não medem consequências, seguem
impulsos, acreditam no lúdico e não se atêm ao rancor ou
mágoa no longo prazo, bastam poucos minutos para se
arrependerem de uma atitude e alguns milésimos para
perdoarem aquilo que julgam uma agressão.
Seus sorrisos puros e sinceros, o carinho e a atenção legítima da
puerilidade. Artes sem sequela, choros birrentos de quem sabe a
verdade absoluta. A simplicidade e o domínio de quem tem
sempre razão por não perceber o porquê da dúvida. São
certeiros, sinceros e perspicazes. Decididos no que querem e
seguros do que podem.
Ah! Duas crianças! Às vezes se multiplicam e parecem mil, estão
em todos os lugares, mas também acontece de estarem em lugar
nenhum. Desaparecem e aparecem com agilidade, parece que
testam nossos sentimentos, assim que somem bate aquele
desespero, o aparecimento é seguido de bronca, no entanto
dentro do peito sente-se o alívio e a felicidade deles estarem ali.
O sono talvez seja a parte mais linda. É quando a criança mais
se aproxima do comportamento adulto. Em suas camas
alegóricas junto ao quarto colorido procuram companhia,
temem a solidão e roncam.
Duas crianças! Digo que as amo integramente, plenamente e
atemporalmente. Preciso mais delas do que elas de mim. Aliás,
quem não precisa de sinceridade em um mundo em que os
homens se esqueceram da lisura e da boa-fé?