BELA, RECATADA E AO LAR DE BUKOWSKI

Como o próprio título dos conjuntos de poesias (1974-1977) lançados pelo escritor anti-herói norte-americano Charles Bukowski, de fato, O amor é um cão dos diabos. Um verdadeiro Macunaíma moderno que derramou o senso de realidade por meio de versos e escrachou a hipocrisia social nas linhas espúrias da tradição secular sobre a família.

Muito mais que o universo extremamente autobibliográfico de suas obras, é possível extrair momentos de transgressão mental, uma parada comedida do tempo reflexivo em que somente você e o mundo podem compreender e ao fim, sintetizar, num pequeno texto, a dor, aflição, o acanhamento ou, até mesmo, a alegria incondicional de um viver nem um pouco vazio.

Mulheres! As mulheres, como Bukowski as amava. Cada gota de tinta despendida para recontar momentos doces, outros agressivos, mas nunca violentos, trazem mais que um mero respeito, um verdadeiro horizonte de aprendizados.

Do que será que a família tradicional religiosa decente organizada fiel e afável considera, em termos de valores, uma mulher bela? Uma mulher recatada? Ou quem sabe, uma mulher do lar? Na verdade, a família tradicional com esses tantos adjetivos, há, claro, faltou o "machista", pense e julgue o que quiser, pois sua formação de valores é tão pobre e pouco cognitiva quanto um mergulho de cabeça em águas rasas. Já imaginou um Bukowski belo, recatado e do lar? Além do inverso disso, se assim o fosse, provavelmente seria mais um deprimido sem expressão artística e reconhecimento literário mundial, um homem médio, classe média, genitais médios, pensamentos médios, tudo tão médio quanto uma sopa instantânea morna.

Não é à toa que Sartre considerou o melhor poeta da América, isso porque o genial filósofo conseguira ouvir a música; "E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música" (Friedrich Nietzsche). Aos loucos, quero mais a companhia e a certeza de uma vida inteira rodeado pela loucura e distante da média, do mediano, pois já estamos longe da Idade Média.

Se tem um exemplo de luta nesse mundo se dá no universo feminino. As maiores atrocidades e autoritarismo da história se intensificam quando o gênero mulher está em jogo. Talvez os covardes machistas que se disseminam pela imprensa, pelas idiossincrasias religiosas, pelos redutos urbanos das universidades e pela mesa do jantar em família estivessem amedrontados pela força sobre-humana instalada por trás do espírito feminino salutífero.

Ser mulher, estarrecidamente, hoje, ainda é difícil, é lutar. Ser mulher e negra, mais ainda. Ser mulher, negra e homossexual, mais ainda. Ser mulher, negra, homossexual e com o corpo fora dos padrões novelísticos, mais ainda. Que sociedade de Robocops pré-moldados estamos concebendo? Mulheres, são seres livres no termo mais pleno da liberdade!

Mulheres, se Bukowski aqui estivesse, protestaria com vocês por serem o lado humano mais versátil e forte desse mundo tão sem sabor.

Todas nós somos belas, todas tem um lar e todas são recatadas porque fazem jus à liberdade inerente às suas almas. Vamos falar dessas mulheres, de Billie Holiday, de Hanna Arendt, de Annie Lumpkins, de Marina Ginesta, de Anne Fisher, de Elza Soares, de Frida Khalo, de Silvia Pimentel, de Maria Quitéria de Jesus, de Dercy Gonçalves, de Tarsila do Amaral, de Marta Viera, de Dandara, de Luz Del Fuego, de Maria da Penha Maia Fernandes, de Leolinda Daltro....das mulheres brasileiras, das mulheres latinas, das mulheres asiáticas, das mulheres desse mundo e da sua mãe, aquela mulher.

Mulheres (em todas as dimensões), do fundo do meu coração e do de Bukowski, desculpa pela pérfida irracionalidade do mundo e certamente sejamos gratas ao divino por nossa eterna existência.

"isso então...

agora novamente espero e os anos vão escasseando. tenho meu radio e as paredes da cozinha são amarelas. sigo esvaziando as garrafas à espera dos passos.

espero que a morte reserve menos do que isto."

Clusius
Enviado por Clusius em 27/10/2017
Código do texto: T6154473
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