Assaré Patativa X Ginsberg Allen

Enquanto aguardo na porta do consultório a abertura do meu parlatório fonoterápico diário, dissolvo-me na lírica patativana, enlouquecendo à luz da escuridão de Ginsberg e outros saudosos poetas de nosso tempo.

As crianças correm pela sala de espera quebrando o gelo dos olhares duros, silenciados pela demora, bagunçando as revistas (todas já fora do prazo de validade) e dispostas de qualquer jeito na mesinha de madeira surrada e sem brilho da sala (miúda e gelada). Quanta demora! Quem é o próximo? Alguém pergunta.

A porta se abre, range, cria expectativa, gera angústia, controvérsia, mas logo se fecha. E assim segue por quase todo o período da tarde, em longas e intermináveis sessões de abre porta fecha porta; abre livro, passa página, fecha livro; coça o queixo; bebe água; reclama com o vizinho do lado; respira fundo, como se lamentasse não ser ainda a sua vez.

Enquanto isso, Assaré Patativa, segue chupando cana e assoviando e Ginsberg Allen acaba de se matar em seu Apartamento na França.

A porta se abre novamente:

- Senhor... É a sua vez!

E o silêncio assume o protagonismo da cena vivenciada.

Só ouço os passos de um outro sujeito adentrando ao consultório, os lamentos das expectativas frustradas pela espera e pela demora, o ranger seco da porta se fechando, a silhueta do homem sumindo consultório adentro, ouço o fluxo do trânsito engrossando pelas avenidas do centro, os olhos vermelhos das crianças esgotadas de cansaço de tanto correr e brincar pelos corredores da clínica e as expressões desconformes e inexatas das pessoas desconfortáveis e ensimesmadas olhando umas para as outras e pensando quando será o fim de tamanho martírio.