A moa

Mamãe sempre nos deu mais conselhos do que papai. Com minudência e frequência. Ainda que com aquele ar de pressa e pressagioso, para coisas mais práticas da vida, tipo andar de mãos dadas com o menorezinhos, ou - se achasse, por exemplo, uma bala na rua, jamais chupá-la, pois poderia ser obra de algum morfético mal-intencionado que já a tivesse provado.

Da parte do velho, que à época era ainda um rapagão cheio de energia e um tanto de ponderação, era-nos mais comum ouvir expressões do gênero "não convém", que já era uma sentença dissimulada, ou então, algo mais filosófico tal como evitar moa.

E a gente sabia bem o que era moa. Era aquele bando espontâneo rapazes ou homens folgazões que costumava-se reunir numa esquina, ou à sombra dalguma árvore para ficar conversando fiado. E, via-de-regra, a um passo de maior pecado. Era apropriada, e, naturalmente boa, a rima que ele próprio atribuía à moa: gente à toa.

Já mudado de Brumado para Pitangui, às vésperas de completar meus oito anos, arisco e à risca, segui os ensinamentos de papai com mais entendimento do que os de mamãe. A rapaziada da cidade, mais sinuqueira e arruaçeira do que a do Brumado, de alguma forma já me intimidava e o único Moa que conheci foi à distância, pois embora irmão de um José Doce, o Moa vivia mais era noutra localidade próxima, o Velho da Taipa, onde chefiava a estação ferroviária. E por extenso, penso, era o dobro do que se manifestava: Moacir é que se chamava.

Contudo, as verdadeiras moas, vim a descobrir em tempos pre-google, já estavam para sempre extintas. Eram aves gigantescas que avitavam a Nova Zelândia, antes até de o homem lá pisar. Chegavam a alcançar a altura de 3,60 metros e à pesura de 230 quilos. Ainda bem que saíram de cena antes da chegada dos maoris, podendo assim evitar confronto em que perderiam feio para mais astucioso hominídeo, obra-prima da criação. Até a chegada da mulher, é bom que se esclareça aqui.

Se papai nunca foi de moa, pelo menos em seu tempo de casado e de pai de família, seu irmão Antônio, o Tõe Velu, mais velho uns 4 ou 5 anos, tampouco foi.

De moa mesmo, que me lembro no velho Brumado, eram o Lizeu e o Jeso da Aurora, ambos, em algum tempo clientes de papai para as injeções durante o período em que papai levou à frente uma seção da farmácia do Hélio Fiúza, de Pitangui - e até bem depois, pois uma vez adquirido o hábito de injeção - lá falava-se mais injerção - ambos, Lizeu e Jeso, continuaram a padecer, mas sem jamais darem o braço a torcer. Numa moa vida de doer.

E vendo aquela moa de congressistas ontem à noite foi que pude sentir o estalo do açoite...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 26/10/2017
Reeditado em 26/10/2017
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