Assim ou ...nem tanto. 115
O Poeta
Estou tentado a dizer que sou, como outra pessoa qualquer, um ser vulgar. Mas não devo. Eu sou poeta e os poetas podem ser gente aparentemente comum. Aparentemente, friso. Na verdade, importa ir além do que parece para chegar a conclusões que nunca coincidirão. Se para Victor Hugo poeta é o que encontra a poesia na intimidade das coisas, virtude que lhe vem de ser um mundo encerrado em si mesmo; se para Alberto Caeiro ser poeta é a pessoal maneira de estar sozinho, já Ana Hatherly disse que o poeta faz ver a oblíqua eloquência seja lá o que for que isso seja. Que todos os poetas são loucos é convicção de um tal Robert Burton que nunca achou que a poesia pudesse galgar a fronteira da mais comum insanidade. Eu, o poeta, estou com Virgílio Ferreira que escreveu que o mais profundo duma palavra é o que há nela de sagrado. E os poetas, todos eles, perseguem a sacralidade das palavras, o seu sentido mágico, a sua capacidade de acender nos outros o próprio espanto. Poeta é o que cria, inventa, o que mente de boa fé; o que faz, como eu, que adivinha o fim das histórias e, sem pejo, as recomeça onde deveriam acabar. Poeta, como afirmava Teixeira de Pascoais, é o que enche de água uma onda apenas desenhada. Estou, para que me possa definir, quase a desistir do rótulo e voltar a ser apenas um no meio de todos. O problema é a poesia, essa paixão que me toma e me faz estar sempre no lado invisível das coisas a fingir que só vejo a pele do dia.