CARTAS DE CUBA

CARTA A UM FILHO

Não existe uma sociedade perfeita, em lugar algum do planeta. Desde o princípio das junções humanas em cavernas, depois em aldeias e cidades, na formação de famílias, tribos, comunas, cidades, sempre houve disputas individuais e coletivas por interesses e benefícios pessoais e interpessoais. Por isso as brigas, as guerras, os exércitos, as nações, os conflitos por espaço territorial, por alimentos, por minérios, combustíveis, mercados etc. Mesmo com todo avanço cultural e humanístico, com desenvolvimento intelectual, filosófico, científico, com elaboração de teses ideológicas, aplicações de modelos econômicos e sociais, com base na historiografia, mesmo assim, as imperfeições continuam, e as desigualdades entre humanos aumentam, e as guerras insanas persistem em pleno século 21, o século da comunicação imediata e da tecnologia sem limites. Riqueza e pobreza convivem lado a lado em todos os continentes do planeta. Em todos os lugares há exploradores e explorados. Sociedade dividida em classes sociais e grupos corporativos que lutam por seus interesses. E Cuba não seria exceção. Aqui também existe desigualdade, exploradores e explorados, pessoas vivendo em boas condições habitacionais e bem alimentadas e uma parte vivendo em casas precárias, com salários que não alcançam (como os cubanos mesmo dizem) um bem estar-social desejado, porém todos sonham e lutam por dias melhores.

Neste cenário de dificuldades econômicas, baixos salários (um professor recebe em média CUP 850,00 pesos cubanos, em torno de 36 dólares mensais) e o trauma da escassez de produtos durante o período especial, criou-se naturalmente uma mentalidade de controle entre os cubanos. É muito fácil repartir quando existe abundância de alimentos e bens materiais. Quando falta, o ser humano, por precaução com relação ao futuro, com medo de que lhe falte o que comer, principalmente, tende a ser mais egoísta e protege o que lhe pertence, ou o que imagina lhe pertencer. Esta mentalidade ganhou força na sociedade cubana a partir do desmanche da União Soviética, nos anos 90 do século XX, e enfraquecimento econômico da Rússia, maior nação aliada de Cuba. Foi o chamado "período especial", com racionamento de tudo: alimentos, energia, água, medicamentos, produtos básicos e essenciais. Uma década de sobrevivência com precariedade que foi paga com o sofrimento do povo cubano. Naturalmente uma elite política na ilha não sofreu tanto com estas dificuldades que perduraram até os primeiros anos do século XXI. Somente a partir de 2005 as dificuldades e racionamento foram se atenuando com novas regras e possibilidades econômicas. O estado cubano, centralizador de todo o processo econômico e produtivo, porém dependente da antiga URSS, e sofrendo um embargo econômico e comercial por parte dos Estados Unidos, teve que se rearticular. O governo comunista (como eles chamam aqui) buscou novas nações parceiras, novos blocos econômicos, abriu o país para o turismo estrangeiro e consequentemente teve que aceitar investimentos externos, em especial dos espanhóis (antigos colonizadores por mais de 4 séculos). No entanto, o medo de não ter algo para amanhã marcou fundo a mentalidade cubana. Por isso observo esse aspecto vivendo aqui entre famílias cubanas: eles são gentis, hospitaleiros, alegres, prestativos, simpáticos, solidários, mas no fundo, no âmago, possuem traços de apegos ao material, como todos nós humanos que somos. O medo de passar fome, principalmente nos mais idosos, faz com que escondam os alimentos, tranquem nos quartos, à chave, seus produtos mais necessários como azeite, papel higiênico, sabonete, carne, etc. Muitos idosos possuem um refrigerador no seu quarto e outro na cozinha (aqui o governo financia refrigeradores por longos anos e prestações baixíssimas). Controlam produtos que possuem e têm que reabastecer de preferência, a maioria, na libreta.

Os europeus também desenvolveram esta tese por muitos séculos, nos seus anos difíceis de guerras de definições de fronteiras. Uma marca que até hoje, intrinsicamente se percebe existir, porém mais atenuada do que nos cubanos, afinal os europeus conseguiram superar seus problemas econômicos (consequentemente sociais, em parte) bem antes dos cubanos, salientando que com muita exploração imposta pelas armas aos povos africanos, asiáticos e latinoamericanos.

Apesar dos problemas econômicos, como salários baixos (tua mãe ganharia aqui como secretária em média CUP 800,00 pesos nacional, ou seja, em torno de 35 dólares mensais), o povo, na maioria, confia em seu governo e diz que morre pela revolução e pela manutenção do socialismo, custe o que custar. Todo cubano, desde que nasce, recebe sua "Libreta", uma carteira tipo caderneta, onde anotam e controlam as vendas de produtos essenciais como arroz, feijão, leite (em pó), azeite, gás, pão, guisado, fósforo, etc. Existem cotas por pessoa. Por exemplo: 3 kg e meio de arroz por pessoa/mês custa 10,50 pesos cubanos, equivalente a 40 centavos de dólar. Pela "libreta" uma casa com 4 cubanos tem direito a retirar 4 pães (tipo cacetinho, mas doce) por dia, ao custo de 20 centavos de peso, ou seja, em torno de 2 centavos de dólar. Fora da "libreta", no mercado livre, como dizem, cada pãozinho custa 1 peso, ou seja, 10 centavos de dólar. Em 30 dias os 4 cubanos desta casa onde estou têm direito a retirar pela "libreta" 120 pães, ao custo de 6 pesos, ou 30 centavos de dólar. E por aí vai; percebe-se que a tábua de salvação dos cubanos é a "libreta". Os preços em "la libre" (mercado) são como no Brasil e em alguns casos bem mais caros por falta de mais indústrias na ilha. Um pacote de café pra passar, com 250 g. custa aqui 3,70 dólares. No Brasil em torno de 1,80 U$. 1 caixa de 1 L. de leite de vaca aqui custa U$ 2,00, no Brasil em torno de 70 centavos de dólar. Os preços de carne, queijo, presunto, roupas são parecidos com os do Brasil mas se tornam caríssimos para os cubanos que recebem salários baixos. Enquanto um professor de 40 horas no Brasil recebe em torno de 600 dólares por mês, aqui em Cuba o mesmo professor licenciado recebe apenas em torno de 800,00 pesos, ou seja, em torno de 35 dólares mensais.

As vantagens do consumo básico se apresentam, em especial no transporte público coletivo. Uma passagem de ônibus urbano aqui custa muito pouco, quase nada, uso todos os dias para ir ao centro de Habana, apenas 40 centavos de peso, ou seja, 04 centavos de dólar. Quase passe livre. Mas se você dá uma moeda de 1 peso eles não devolvem troco. Na entrada do coletivo você coloca o dinheiro em um cofre de vidro quase na porta. Eu troco 1 peso por 5 moedas de 20 centavos num banco aqui perto e tenho 2 passagens (ir e voltar) e ainda me sobra 20 centavos para a dona da casa comprar 4 pães na "libreta". Um peso representa R$ 0,20 centavos de real. E são ônibus bons, com música cubana de som ambiental, porém, como no Brasil e todos os países em desenvolvimento, lotam em horários de pico. Se você, numa parada, pergunta onde fica tal lugar, eles lhe ensinam onde descer e ainda fazem questão de pagar sua passagem. O governo além de possuir e arrendar os táxis, também arrenda muitas linhas de ônibus. Os motoristas pagam uma certa quantia por dia para o estado, que abastece os ônibus com preços menores, e os motoristas vão arrecadando. O que sobrar pertence a eles, às suas cooperativas não-agrícolas; mas se faltar têm que pagar para o estado o estipulado. Existem também os carros coletivos (aqueles dos anos 50 do século passado), na maioria de particulares que também alugam para motoristas, que cobram 10 pesos por pessoa e têm seus trajetos para determinadas regiões da cidade. 10 pesos correspondem no câmbio popular aqui de Habana 50 centavos de dólar. Estes carros correm com 4 ou 5 passageiros. As caminhonetes, jipes ou kombis levam mais pessoas e faturam mais. No centro da cidade existem os pontos destes táxis coletivos e nos horários de pico multidões fazem filas para pegar um carro, principalmente nos fins de tarde, a partir das 17:30 h. Também circulam os micro-ônibus cooperativados, tipo as lotações de Porto Alegre, que cobram 5 pesos, ou seja, 25 centavos de dólar, equivalente a R$ 0,80 centavos de real. Estes não podem levar passageiro em pé. O mais caro aqui são os táxis do aeroporto que cobram 25 dólares para levar o turista para o centro da cidade onde se concentra a maioria dos hotéis e casas que recebem estrangeiros.

Com relação à habitação, mais de 85% dos cubanos têm suas casas e apartamentos próprios. Só quem paga aluguel aqui é quem vem de outra província ou de outro país. O poderoso Ministério do Interior constrói anualmente muitos prédios em bairros das cidades onde coloca os interessados inscritos que passam a morar e a pagar uma prestação em torno de 5 a 12 dólares por 20 anos. Mas este programa, tipo o "Minha Casa Minha Vida", é só para os cubanos. Estrangeiro, como eu, pode conseguir um apartamento para alugar aqui no bairro AltaHabana por 50 a 100 dólares mensais. E se compra um apto modesto com 2 quartos por 10 a 20 mil dólares. Porém vi uma casa com 4 quartos, pátio, 2 garagens, bem ampla que a mulher está pedindo 90 mil dólares mas sai por até 75 mil dólares, me disse. Já os hotéis são caros e os mais baratos pedem em torno de 50 dólares a diária por pessoa. Os mais famosos, como Habana Libre, Hotel Nacional, Meliá, Inglaterra e outros 4 e 5 estrelas cobram mais de 200 dólares a diária. As pensões, em Centro Habana e Habana Vieja, cobram em torno de 15, 20, 25 dólares a diária. Encontra-se casa que aluga um quarto individual, com ventilador, cama de casal, guarda-roupas, TV na sala, rádio, cozinha e lugar para lavar a roupa , por apenas 6 dólares por dia, um achado que ninguém acredita, e foi contato pelo Facebook. A proprietária está gostando do negócio, pois recebe de aposentadoria 10 dólares mensais, sobrevive de cuidar um idoso de 95 anos que lhe paga 30 dólares por mês e a ajuda de uma filha que mora na Europa e lhe manda 50 dólares todo mês. Do hóspede irá receber 180 dólares mensais e vai realizar seu sonho de comprar uma linha telefônica fixa para "hablar com sua hija" da Hungria. A residência que hospeda tem que ser registrada e aprovada pelo Estado, e pagar um baixo valor como taxa ou imposto. A dona da casa onde fui morar já comprou um forno micro-ondas por 115 dólares (no Brasil vendem por 70 U$). Vai comprar uma TV de plasma por 400 dólares, pois tem suas manias e adora ver as novelas cubanas e brasileiras, o noticiero e os programas musicais. A velha é comunista ferrenha, castrista, ama Fidel e Raúl e Guevara e Camilo, e diz que morre pela revolução. Seu orgulho é ter pertencido à contra inteligência e ter sido presidenta do CDR do prédio. O CDR tem em todos prédios e quarteirões de bairros do país, é o Comitê de Defesa da Revolução, que vigia e denuncia os contrarevolucionários, os bandidos, ladrões, traficantes, agressores, malfeitores, foras da lei. É uma instituição de mais de 5 décadas em defesa do socialismo e da sociedade cubana. Arma essencial do regime. A maior tristeza de muitos velhos comunistas é esta: que o neto de 16 anos anunciou pra família que ao completar maioridade (18 anos) vai embora para os EUA, morar com um tio em Miami ou Boston. O guri me contou que a maioria dos estudantes secundaristas são consumistas, querem o capitalismo e as eleições dos líderes estudantis são uma farsa, indicados pelos diretores de escolas, sem debate entre estudantes, sem apresentação de chapas em aulas, com votação protocolar. Os estudantes socialistas estão concentrados nas universidades, e os do ensino primário não sabem o que são. Mas o ideal consumista do capitalismo está muito forte na juventude, mesmo que o governo faça campanha pelas rádios, emissoras de TV e jornais todos os dias lembrando à população os feitos da Revolução. É uma pregação diária em muitos outdoors nas estradas, ruas e avenidas. O governo comanda e controla todos meios de comunicação, que são estatais, e controla os sindicatos e cooperativas. Mesmo que as estruturas sejam separadas e autônomas, existe uma conexão entre o partido comunista e o estado. Aqui tem sindicato para tudo, até para a nova categoria de trabalhadores: os contapropistas, que têm seus pequenos negócios (restaurantes, táxis, institutos de beleza, bares, cafeterias, pousadas, empresas de prestação de serviços, casas noturnas, oficinas, etc). Greves e protestos são proibidos e quem se arrisca é detido para averiguações e interrogatórios, ou preso por má conduta social.

O que mais se vê por aqui são hospitais e escolas. Todos públicos, gratuitos e de qualidade. Tive que fazer um seguro obrigatório para estar na Ilha, onde paguei 2,5 dólares por dia, mais as taxas de 110 dólares para a imigração, pelo período de três meses (só um mês em Cuba o estrangeiro paga apenas os 20 dólares do visto de entrada). Estou ajudando a manter o regime, mas tenho direito a médico, dentista, emergência, hospital de graça, e se morrer por aqui o estado manda meu corpo para Porto Alegre, está na apólice. Em cada bairro tem um ou mais hospital e postos de atendimento, as policlínicas. Os médicos visitam os pacientes em suas casas nas cidades e interior. Os remédios são muito baratos para os cubanos. Quase nada. As farmácias são estatais.

E as escolas são muitas, em todos os bairros se vê a gurizada de uniformes entrando e saindo, em horário integral (das 7:30 às 16:30 h.) Eles se puxam na educação mesmo. O primário vai da 1ª até a 6ª série. O secundário vai da 7ª até a 9ª série. Depois vem o pré-universitário ou curso técnico, de 3 anos, e depois os cursos superiores. Só em Habana tem 14 universidades. E nas outras províncias existem muitas em todos os campos, principalmente os cursos de saúde para atender a demanda nacional e os programas de missões de saúde no exterior. Toda família tem um parente médico, dentista ou enfermeira fora de Cuba, atuando em outro país. No Brasil são 11 mil. Em Angola mais 10 mil. Na Venezuela, Equador, Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai, Zimbawe, etc. Dizem que tem mais de 50 mil profissionais de saúde cubanos atuando em todo o planeta. Aqui no nosso bairro tem 3 hospitais e umas 7 escolas, pelo que contei até agora. Estas conquistas da Revolução mantém o regime socialista de Cuba e são orgulho do povo. Quer te incomodar com o povo aqui é só falar mal do governo, do socialismo, pois mesmo com as dificuldades pontuais os cubanos amam Cuba acima de tudo e respeitam as regras estabelecidas nos Congressos do Partido Comunista e votadas pelos membros eleitos do parlamento. Os cubanos confiam no seu governo e não querem arriscar mudanças que retirem deles estas vantagens como os subsídios de alimentos na "libreta", saúde e educação de graça, transporte baratíssimo, taxas de luz na média de 1 dólar mensal e água a 0,20 centavos de dólar por mês, um botijão de gás por apenas 0,40 centavos de dólar, etc.

O problema maior aqui é a lentidão e o preço da internet. O telefone celular é caro mas todo mundo tem. Pelas ruas só se vê gente com celular. Ao redor dos hotéis e prédios públicos, onde existem pontos de sinal wi-fi, se concentram multidões. As lans estão sempre lotadas e com filas para as poucas máquinas. Só uma operadora (ETECSA -estatal, é claro) tem que atender esta demanda crescente, por isso o preço é caro. Pago 2 dólares por um cartão com senha para uma hora de conexão lenta. Os estrangeiros são os que mais sofrem pois estão acostumados com conexões mais eficientes. Um russo (como tem russos por aqui, casam com as cubanas e ficam na ilha por amor) me disse que em Moscou a internet é gratuita nas praças e parques, e funciona com alta velocidade. Mesmo assim os cubanos estão felizes, reclamam mas curtem mesmo é a música mais alegre e dançante do planeta. Os músicos são excelentes, talentosos, reis da guitarra solo e da percussão, mestres dos instrumentos de sopro. Tem escola de música por todo lado. “Casa de la música” em bairros e pelas cidades da ilha.

Assisti o 37º Festival do Novo Cine Latinoamericano com exibição de mais de 440 filmes de todos gêneros em 16 cinemas da capital, em Santiago e outras cidades. Ingressos tanto para cubanos e estrangeiros custa muito pouco, 2 pesos por filme, ou seja, 10 centavos de dólar. Comprei um passaporte para ver 7 filmes por 10 pesos, 40 centavos de dólar. Assisti a muitos filmes: cubanos, mexicanos, colombianos, brasileiros, venezuelanos, peruanos, chilenos, paraguaios, costarriquenhos, etc. Em Havana, além dos filmes, acontecem seminários, conferências, entrevistas, palestras, lançamentos e variados eventos sobre cinema. A cultura é muito valorizada em Cuba e as rádios e TV (que não possuem espaço comercial) dão muito tempo da programação para os músicos, literatas, pintores, atores, historiadores e aos noticiários. Existem vários festivais de música, concursos literários e exposições de artes plásticas por todas as cidades da ilha. A Biblioteca Nacional José Martí (que visitei e doei meus livros recentes) está situada em um prédio na Praça da Revolução com 17 andares, 200 funcionários e um acervo de mais de 7 milhões de livros, todos catalogados e com acesso digitalizado. Possui galeria de arte, teatro, salas de leitura e de pesquisas com cabines individuais para pesquisadores. Também possui uma sala de braile com máquinas de escrever em braile, maquinas de audição e funcionários que fazem a leitura dos jornais e livros para os deficientes visuais usuários. Tem uma sala de música com todos os sistemas, desde o vinil até os CDs, DVDs e outras mídias atuais. Em Cuba, nas 15 províncias e 169 municípios, existem 412 bibliotecas funcionando e todas com salas de braile. Os deficientes aqui também são valorizados e incluídos na sociedade.

Livros usados e bons aqui se compra desde 5, 6, 10 pesos, ou seja, em média 0,50 centavos de dólar, até de 2 a 3 dólares. Porém há livros recém lançados que têm preço bem superior, de 5, 10, 15 e até 25 dólares.

Por estas e outras políticas que os cubanos não querem arriscar trocar de regime e de governantes. Preferem o PCC no comando. Os contrários existem mas são minorias. Os guris consumistas, secundaristas e pré-universitários, quando “cai a ficha” deles sobre o que é a essência do capitalismo, acabam ficando na ilha com mais de 230 praias tropicais do caribe com águas mornas e limpas e mulheres lindas desfilando. Mesmo ganhando pouco, mas com segurança e estabilidade. Uns preferem arriscar e partem para os EUA e outros países em busca de riqueza, mais conforto, por aventuras, mas sempre que dá eles enviam dinheiro e retornam. Amam o país.

Mesmo com as dificuldades de falta de água umas duas horas uma vez por dia, que mais da metade da população não possui chuveiro quente, a maioria dos cubanos ama e prefere Cuba socialista. Eles ficam perplexos quando lhes digo que no Brasil a cultura capitalista perdeu o controle da sociedade e que os marginais estão no controle, os ladrões entram nos ônibus com revólveres e assaltam o motorista e todos os passageiros, levando celulares, dinheiro, relógios, joias, bonés, tênis, etc. Não acreditam quando falo que no Brasil os bandidos usam meninos para seus crimes e que tiquitos de 12 anos andam de fuzis, pistolas e outras armas trabalhando para o crime nos morros das favelas. Não acreditam que os bandidos brasileiros atacam os motoristas nos semáforos, supermercados, shoppings e garagens para roubarem os carros e em muitos casos matam as vítimas. Ficam apavorados quando lhes digo que no Brasil os traficantes de drogas controlam os bairros e mandam na polícia e compram os juízes, e quando vão para a cadeia seguem comandando o crime com celulares dentro dos presídios. Os cubanos ficam enlouquecidos quando conto que os políticos no Brasil roubam bilhões do estado e das estatais e ainda recebem salários mensais em torno de 10 mil dólares. Piram quando falo que no Brasil os bandidos matam para roubar, estupram mulheres e até idosas, invadem casas, empresas, bancos, explodem caixas eletrônicos e cometem crimes bárbaros contra as pessoas... Então me perguntam: “como podes viver no Brasil?” E me dizem: “Fica em Cuba, traz tua família, aqui pelo menos temos paz, tranquilidade, solidariedade... mesmo que nos falte algumas coisas, temos o principal que é a paz entre nós, segurança, saúde e educação gratuitas, a música alegre da salsa, o ron, o tabaco e as chicas.” Um cubano vendedor ambulante que me vende sorvete e manteiga na porta de casa (aqui é comum os ambulantes gritando para vender seus produtos, de tudo que se imagina) me disse que a direita no Brasil está tentando derrubar a presidenta Dilma, que o neoliberalismo quer acabar com os governos populares como os da Venezuela, Equador, Nicarágua, Bolívia, Chile, Uruguai e Brasil. Mas que em Cuba não existe espaço para a direita se criar. Até mesmo os mais pobres têm esta visão política. Eles amam a revolução, gostam do socialismo que constroem e defendem estes princípios ideológicos com naturalidade. Pesquisei e vi esse sentimento na maioria do povo. Pero que vi los contras también. Minoria até então. As forças de oposição atacam via internet, com blogs, sites, emissoras online de rádio e televisão, na maioria produzida em Miami, a cidade dos cubanos anticomunistas que migraram. Não existe e nem pode por lei outro partido. As pequenas passeatas dos contras são vaiadas e às vezes reprimidas pela própria população e polícia.

O esporte nacional é o beisebol, que possui campeonato e os mais velhos gostam, mas o futebol está tomando conta do país, em todas as praças e escolas se vê a gurizada jogando futebol e os times preferidos deles são Barcelona e Real Madri. Passam os jogos da Liga Europeia no canal 10 de esportes e os ídolos são Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar Jr. Assisti o clássico em que o Barça meteu 4 a 1 no Real e ouvia a gritaria na hora dos gols. Nas casas e bares eles colocam bandeiras, além da cubana, a dos seus times. O Barça é o mais popular e se vê as pessoas com as camisetas destes clubes espanhóis pelas ruas. Mas o Pelé é o brasileiro mais conhecido, como o rei do futebol, e também falam muito do Ronaldinho Gaúcho como craque. Eles desenvolvem nas escolas muito as lutas esportivas, o vôlei, basquete, ginástica, ciclismo e atletismo que dão orgulho ao povo pelas medalhas que conquistam em olimpíadas e campeonatos mundiais. Aqui perto onde estou morando existe a Ciudad Deportiva, com ginásios e pistas de atletismo, e a Escuela Nacional de Ginásia, onde formam atletas de alto nível, pagos pelo estado apenas para treinarem.

Vou dormir. Segunda vou à Universidade de Havana. Espero que estejas bem, militando muito pela construção de uma nova sociedade e se cuidando sempre nesta tua cidade violenta. Cuide também da família, dê atenção redobrada para tua mãe que enfrenta sozinha os problemas da casa com minha ausência. Faça isso por ela que é teu porto seguro de todas as horas. Por enquanto fico por aqui, onde apesar dos problemas, as diferenças sociais são bem menores e há paz e harmonia entre o povo.

Abraços a você e aos amigos.

Havana, 5 de dezembro de 2015.

CARTA A UM AMIGO

Caro amigo Toninho, aqui em Cuba é assim, às vezes faz um calorão, às vezes faz frio. Estamos no inverno cubano que é em dezembro, janeiro e fevereiro. Porém frio aqui é 18 graus, com chuva e vento. Mas as temperaturas, mesmo no inverno, variam normalmente entre 22 e 31 graus em toda a ilha. E mesmo assim dá praia. Sexta-feira, dia 17 de dezembro fez um calorão e sol forte, larguei cedo para a cidade-praia de Varadero, a mais famosa da ilha socialista. Deu 30 graus e um belo dia de céu limpo para pegar uma praia. Passei o dia de molho naquele mar limpo, de água morna, sem ondas, transparente e azul ao longe. As fotos e filmagens que fiz não me deixam mentir. Parece uma piscina. E lá estavam os turistas, a maioria canadenses, mas havia alguns poucos norteamericanos, vários italianos, franceses, chineses, muitos cubanos e este brasileiro. Encontrei também um casal de brasileiros que passaram ao longe na praia, apenas bati uma foto deles caminhando na areia branquinha, a mulher com uma canga que era a bandeira do Brasil, imagino que sejam brasileiros, ou pelo menos fãs do Brasil. Aqui por Cuba a única notícia que dá sobre o Brasil é o golpe parlamentar que a direita tenta dar na presidenta eleita Dilma Roussef, que tem a admiração dos cubanos, afinal ela é de esquerda e levou 11 mil médicos cubanos para trabalharem no Brasil.

O melhor negócio aqui para ganhar dinheiro é trabalhar por conta própria, ter um restaurante, uma cafeteria, um bar, uma fruteira, padaria, uma hospedaria, realizar serviços como de eletricidade, encanador, pintor, trabalhador de obras, taxista, serviços de informática, vendedor de cartões para acesso à internet, vender frutas, legumes, hortaliças, etc. E, evidente, a prostituição. Este ramo não é tolerado e é controlado pelo estado, pelo que sei. As prostitutas ficam nas proximidades dos hotéis, nas praias e locais de passeios dos turistas e os abordam. Oferecem-se por 50 dólares por 3 horas de sexo. E os levam para alguma casa particular que cobra em torno de 20 a 30 dólares pelas 3 horas de uso. Mas existem as negociações e os locais de encontros variam de preço, custando desde 5 dólares a 10, 15, 20 ou 30, dependendo das condições de instalações. E as prostitutas também negociam o preço e se encontra por 15, 20, 30, 40 a 50 dólares. Mas para passar a noite com o cliente elas cobram em torno de 100 dólares. O setor de aluguel de quartos para a prostituição também é bem rentável aqui e muitas casas fazem isso para aumentarem a renda familiar, já que os salários são muito baixos. Uma prostituta se fizer um programa por dia e receber 30 dólares, pode faturar 900 dólares por mês. Uma dona de casa se alugar um quarto para prostituição por 10 dólares todos os dias, terá uma renda mensal de 300 dólares. Já um professor, como eu, com faculdade, ganha em média 35 dólares por mês para trabalhar 8 horas diárias em uma escola. Uma dentista está recebendo salário em torno de 40 dólares mensais. Uma cozinheira ou garçom recebem aproximadamente 30 dólares por mês. Um policial ou militar soldado recebe próximo de 35 dólares, o mesmo que recebe um bancário. Os aposentados, na maioria, recebem de 15 a 50 dólares. E todos são felizes, reclamam dos baixos salários, mas não fazem greve que aqui é crime contra os interesses e a segurança do país. Sobrevivem graças aos baixos preços dos alimentos através da chamada libreta onde se compra gás por 7 pesos, e salientam que cubano não vive com dólar, vive com peso cubano. Uma latinha de ceva aqui custa 1 dólar; uma lata de refri custa 0,50 centavos de dólar. Mas os cubanos são econômicos e 85% têm casa própria e não gastam com aluguel. Foi daqui a inspiração de Dilma para o programa Minha Casa – Minha vida, com prestações baixas para aquisição de imóveis. O governo financia também geladeiras para que todos possam conservar adequadamente seus alimentos. Qualquer casa tem 2 refrigeradores.

A vida aqui é barata. Se eu recebesse do Brasil R$ 1.600,00 mensalmente, o que representa uns 500 dólares, poderia viver bem, apenas escrevendo. Pagaria 100 dólares de aluguel no apto onde estou e me sobraria ainda 400 dólares que dá bem para comer, beber, pagar o seguro e andar por aqui. O brasileiro tem que pagar 2,50 dólares por dia de seguro saúde que cobre tuas despesas com médico, dentista, hospital, e mais 25 dólares a cada 30 dias de renovação do visto para estar legal no país. Coloca na conta mais 100 dólares por mês destes custos. Então me sobraria 300 dólares para demais gastos de alimentos e transporte que são baratos. A violência aqui tem baixos índices e as penas são duras para os ladrões e assassinos que são poucos. Você pode andar pelas ruas de madrugada que ninguém te assalta. É uma tranquilidade que não se tem no Brasil. Tu passas pelos bares e tem sempre show de salsa, cubanas e cubanos dançando alegres.

Na verdade o turista aqui paga a conta dos cubanos. Existe uma nova moeda, além do tradicional peso nacional, que se chama CUC, o tal de peso convertible, que vale mais que o dólar e quase o mesmo que um euro. Esta moeda eles chamam de dólar cubano, ou dólar turismo. Um dólar americano vale 87 centavos de CUC. Um euro vale 1,03 CUC. Cada 100 dólares que troco por CUC (pois ninguém recebe o dólar ou o euro nas lojas e mercados) o banco me paga 87 CUCs. Melhor é vir com euro pois a cada 100 euros a gente recebe 103 CUCs. Também existem os cambistas do câmbio negro que trocam dólar por CUC ao preço de 95 centavos. Conheci uma cambista que viaja todos os meses para o Peru para comprar coisas e vender em Cuba. Muita gente faz isso. São os sacoleiros cubanos. E no Peru só recebem dólar americano. Ela troca 100 dólares por 95 CUCs. Melhor que receber 87 CUCs pelo câmbio oficial. Faz a conta. Os cubanos são livres para viajar, comprar no exterior, voltar, etc. Somente os Estados Unidos ainda não permitem estes negócios, mas a previsão é de que estas restrições dos americanos deixem de existir um dia, então vai ser uma correria para compras em Miami e Nova York onde a indústria e comércio têm boas ofertas. Faz um ano que anunciaram o reatamento das relações entre Cuba e EUA, mas até agora só tiveram conversas, pois o bloqueio econômico por parte dos Estados Unidos continua.

Comida é farta e pode ser barata ou cara, como no Brasil e em qualquer país do mundo. Tu come bem por 15, 20, 30 dólares, mas também pode comer bem por 3 ou 5 dólares num restaurante no centro de Habana ou na praia. Uma pizza média eu como por 0,50 centavos de dólar na Calle 23, em Vedado, perto do Malecón, é só buscar. Um prato feito com arroz, salada, feijão, coxa e sobrecoxa de frango, compro por 2 dólares. Já um prato de macarrão com molho de tomate e pouco queijo e um copo de suco artificial encontro por 0,40 centavos de dólar. Um cachorro quente custa 0,40 centavos de dólar. Esses são preços nos restaurantes estatais, para cubanos, mas usados também por estrangeiros pobres, pois nos restaurantes particulares e cooperativados, se paga o dobro ou o triplo em tudo, porém são melhores no atendimento e higiene. A maioria dos restaurantes públicos são demorados e o atendimento é ruim, acho que por causa dos baixos salários dos trabalhadores, apenas 25 a 30 dólares mensais. Solidários temos que dar uma gorjeta (aqui chamam de propina) de alguns pesos nacionais, quando se é bem atendido. Eles não querem mudanças por aqui, dizem que os que governam estão preparados e são representativos, não querem se aventurar em trocar de regime e piorar a situação. O passado foi bem pior para os cubanos e eles sabem disso melhor do que nós estrangeiros e me contam as dificuldades que era antes da revolução. Estão contentes com a vida que têm, mas querem aumentos salariais, como em todos países do mundo. Muitos saem de Cuba em busca de altos salários, pois são capacitados e bons profissionais em qualquer mercado. Como muitos brasileiros que migram para os EUA, Europa, Canadá, Austrália, Japão e outros lugares em busca de bons empregos e mais dinheiro.

Estes são alguns problemas que nós, pequenos burgueses, reclamamos. Os cubanos não se importam com estas picuinhas, são calmos e pacienciosos. Dizem que o país está melhorando e está mesmo. Já foi muito pior, principalmente nos anos 90, quando a URSS se dissolveu e os cubanos perderam um grande parceiro que comprava toda sua produção de açúcar, tabaco e outros produtos. Parceiros que ainda ajudavam com maquinário, material de construção, veículos e petróleo barato. A indústria soviética despejava seus produtos na ilha a preços camaradas. Isso acabou e os cubanos tiveram que diversificar a produção agrícola, investir nas frutas e agricultura em geral, fortalecer as cooperativas e as indústrias locais, atrair turistas e divisas. No auge da crise passaram fome, comiam o que se movia, me dizem os amigos mais antigos daqui. Foram anos difíceis, o chamado período especial, com muitas restrições e racionamento, até que Cuba pudesse caminhar sozinha e fortalecer sua economia, o que está acontecendo agora. Mas nunca abandonaram a tese de saúde, educação e cultura gratuita para toda a população. Por isso os adultos que viveram este período não querem mudanças de regime, pois sofreram com a quebra da URSS e com o embargo econômico e comercial até hoje dos EUA. Os adolescentes, que não viveram esta época e estão sendo contaminados pela ideia do consumismo são os que reclamam mais.

No demais Cuba é um bom lugar para viver. Seguro, com gente simpática e inteligente, mulheres bonitas e sensuais, praias paradisíacas e maravilhosas, cidades antigas e históricas, com prédios centenários e muitos em restauração, também com edifícios modernos, muitos hospitais e escolas, esporte sem fins lucrativos, muita música boa e artistas de qualidade e nível internacional, festivais e escolas de cinema, ballet considerado entre os melhores do mundo, e etc. Aqui se vive mesmo em paz. Sem assaltos, sem notícias de tragédias e corrupção, um trânsito mais tranquilo, sem engarrafamentos (nunca vi nenhum), sem brigas políticas que atrasam o desenvolvimento de um pais (como no Brasil, Argentina, Venezuela, México e outros países capitalistas), com planejamento e metas governamentais, com eleições a cada 2 anos e meio para renovar as Assembleias de Poder Popular... Enfim um país onde a solidariedade e o respeito imperam, onde os heróis do passado que fizeram as revoluções para a independência e a soberania nacional são exemplos a seguir. Gostaria que nosso Brasil fosse assim, digno e respeitado, com humildade, sem as malandragens e maracutaias que infelizmente marcam nossa cultura e história.

Desejo que no ano novo sejas feliz e próspero nos teus projetos empresariais, culturais e pessoais. Um abraço a todos os amigos de nossas relações. Abraço fraterno do amigo e conterrâneo. Que no natal e sempre, Jesus com sua mensagem de paz, amor, perdão e fraternidade, renasça em teu coração e na tua mente. Temos que ter atitudes, ação e fé na luta constante por dias melhores para toda a humanidade e não para apenas poucos humanos.

Havana, 22 de dezembro de 2015. Cuba.

VLADIMIR CUNHA DOS SANTOS
Enviado por VLADIMIR CUNHA DOS SANTOS em 25/10/2017
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