O escape do riso

Dizem (não sei quem o fez a primeira vez) que o brasileiro, entre outras características, é o único povo capaz de rir de seus próprios infortúnios (sua própria desgraça). Duvido que seja somente nós a fazermos isso, até porque, à parte qualquer mérito que tenhamos por sermos hegemônicos em algo, não temos tido motivos para nos orgulharmos de uma coisa como essa. Mas, como que justificando essa má fama, ri automaticamente quando assisti hoje na TV a mais uma notícia que iniciava assim: “Acusado pela policia federal de ter beneficiado empresas durante seu governo, o governador Fulano de Tal...”... E por aí vai. O tom formal de quem não parece repetir manchetes semelhantes; o semblante grave que associamos à seriedade atribuída ao fato etc., para não me dá nos nervos provoca risos: acho que nervosos; como para disfarçar pra mim mesmo (eu estava só) a atmosfera tragicômica da recorrente situação. Não deveria rir, mas dizem que essa reação é mesmo típica diante da impotência; de saberem amordaçados pela formalidade da lei os veículos de comunicação sob pena de processos, caso venham a se manifestarem sem provas acusando os ladrões de ladrões. Claro que, ao escrever sobre cumprimento de lei no país ou ainda sobre a seriedade atribuída à imprensa, me dão novos comichões nervosos/hilários. Talvez a mentira mais verdadeira que já circulou tenha sido a de que um ex-presidente de França, Charles de Gaulle, supostamente teria dito que não somos um país sério. Quem sabe não seja por isso que rimos tanto de nós mesmos ao disfarçarmos nossos picos neurastênicos através dessas descargas pândegas nos nervos do rosto.