O QUE VOCÊ VAI SER...QUANDO SEU PAÍS CRESCER?

CENA I

Eu entrava naquele elevador pela primeira vez quando os conheci.

Ali, dois garotinhos desciam para a área de lazer do edifício, um deles agarrado a uma bola de futebol tão protegida em suas mãos que senti que a segurava como quem carrega um tesouro...

“Oiê, bom dia, vão brincar?!- perguntei o óbvio a eles na tentativa de desarmar aqueles seus olhares meio fugidios.

Não obtive resposta, mas mesmo assim insisti.

“Em que andar você moram?” – eles ali, tão pequeninos, desciam sozinhos no elevador.

“Nosso pai trabalha aqui e hoje viemos passear com ele”, me respodeu o menor.

“Ah tá, e percebo gostam de futebol, não é?” perguntei -lhes a usar propositalmente a palavra mágica F U T E B O L , logo obtendo a resposta enfática do garoto que segurava a bola.

“ claro que gostamos muito, toda criança gosta e eu já tenho seis anos mas ele ainda só tem cinco!”.

O mais novo , dali adiante, passou só a ouvir, a nos observar atento e mudo.

“Bonita sua camisa” comentei ao perceber a inscrição “Qatar Airway”s inserida no seu peito bem franzino.

“Essa é nova, meu pai ganhou e me deu, é do Barcelona e você já sabe que é essa a camisa do Neymar, não sabe ?”

Confesso que aprendi sobre a famosa camisa ali com ele pois não entendo das coisas dos times...

“Ah, que legal, muito linda sua camisa, mas parece que o Neymar não está mais no Barcelona, não é?

“Claro que não, você ainda não sabe?- agora ele está no “Paris Saint Germain!” -me disse ele com orgulho incontido numa pronuncia encantadoramente perfeita para os seus seis anos.

“Você fala tão bem e já está na escola, certo?”perguntei surpresa com aquela esperteza toda.

“ainda não, só no ano que vem, mas só se tiver vaga; mas minha mãe me falou que já vou para a escolinha de futebol”.

Então, o elevador parou e eu resolvi terminar o assunto com aquela perguntinha chata, da qual nenhuma criança escapa até hoje, bem lugar comum, e confesso, já previamente sabendo a resposta do garoto.

“E o que você vai ser quando crescer?”

“Vamos ser jogador de futebol”-responderam os dois em firme, alto e bom coro.

CENA II

Poucos minutos decorreram quando, já saída dali, eu parei num semáforo vermelho para os automóveis.

Sobre a faixa de pedestres, mais um exímio malabarista das bolinhas se aproximou da minha janela, só mais um sufoco de vida, aquele duro infortúnio dentre a avalanche aqui de São Paulo, de multidões de jovens adultos que tentam ganhar a féria do dia de alguma forma artística e heróica.

Incrível aquilo que eu via...

Seria uma cena comum não fosse a sua camisa surrada que reconheci depois da aula sobre camisas e aonde se lia a mesma inscrição de minutos atrás, a do garoto do elevador- “Qatar Airway’s” -já em letras desbotadas e sem as cores do Barça nitidamente visíveis.

Engoli seco, "aquilo não seria só uma simples coincidência, seria?". Então, abaixei o vidro para entender melhor aquele recado vindo sei lá de onde:

”Oi, bom dia, bonita a sua camisa, você também gosta de futebol ou é “bom de bola” só nas bolinhas do seu malabarismo?

Ele me olhou surpreso, aceitou a oferta do meu chocolate e respondeu sorrindo:

“Torço pro Barça moça, sou fã do Neymar demais, que agora está no PSG, achei essa camisa no posto dos descartados e sempre quis ter uma, ainda está boa, e também queria ter sido jogador de futebol...mas...não deu, agora driblo minhas bolinhas no ar".

Paralisei.

“Desculpe, mas quantos anos você tem?- perguntei sensibilizada e engasgada com a cena coincidente em ato contínuo à do menino do elevador.

“tenho vinte e cinco, e agora nem dá mais, se eu nem estudei ainda, moça!”.

Ali, na abertura rápida do semáforo, eu nunca poderia imaginar que meu protagonista, aquele do elevador, ficasse adulto tão rapidamente...

“Não!”- concluí comigo, na minha mania de “ metafísica”:"aquilo não era só mais uma coincidência".

Era sim, um recado do teatro da vida, em ato dum resumo antropológico bem visceral, o duma sociedade que ainda não sabe o que vai ser...quando (e se um dia!) resolver crescer.