Amizade

Olha, você aqui novamente, dor. Você que tem me habitado fazem consideráveis anos. Parece que a gente se tornou amigos muitos próximos, e agora eu me recuso, sem saber, em te deixar pra trás. Você tentou se matar em alguns momentos, eu sei disso, mas a covardia nos impossibilitou de cometer qualquer ato, seja você, ou seja eu. Até porque faz algum tempo que a gente não se suporta, não se aguenta e nem se adora.

No teatro, eu aprendi a te sentir e te viver, intensamente, por uma hora e quarenta ou mais. O problema que todo nosso relacionamento se tornou conturbado exatamente porque você resolveu invadir minha vida pessoal. Eu me entregava à um outro no palco, e você se entregou em transformar minha vida em um drama sem fim.

O problema é que sua melhor amiga, a vida, se encarrega de te deixar real e palpável, e me faz te ver em qualquer situação de desespero que vivo. E acredito, eu estou nesse desespero fazem alguns anos, esses que parecem tão rápidos e intermináveis. Eu, dor, pensei que íamos viver juntos por um curto período, mas aí o próprio tempo me passa a perna e olha aqui a gente tão íntimo.

Eu entendo você continuar aqui comigo. Até porque é muito difícil sair do nosso lugar considerável nosso eminente abandono. Como sair do fundo do poço quando as pessoas que você sabe que podem te ajudar, já não fazem nada? E como curar as unhas que já carregam a marca de tentar subir essas pedras e falhar? As mãos doem, as pernas doem, os olhos doem, e você sabe que nessas condições fica difícil de sair de mim.

Um dia as pessoas que tentam nos tirar daqui, vão perceber que na realidade não são elas que podem mudar a nossa realidade, assim como vão enxergar que nós não sabemos como transformá-las no que precisamos. E você sabe que eu busco todas as respostas, seja na intrínseca mensagem dos nossos doces ou na exposta mundialmente por Woody Allen e seus discípulos.

Mas calma que o tempo vai mostrar que nosso afastamento é impossível, sendo que o abandono também dificilmente vai mudar. A gente está sozinho, nesse vácuo sem nenhum espaço pra mim, e com muito espaço para você, dor. A nossa amizade, agora concreta neste nada com muita coisa para assimilar, vai nos mostrar como que a gente vai se harmonizar e viver com o tempo. E lá, na minha última noite acordado, você vai estar lá como o único sentimento que vai poder mostrar que nunca me abandonou.