Quando o bullying cria "fracos suicidas" ou "psicopatas homicidas"
Acompanhando o caso do tiroteio no Colégio Goyases, na cidade de Goiânia (GO), na última sexta-feira (22/10), começo a refletir sobre o meu passado durante o tempo de escola, especialmente no ensino fundamental. Eis o período das trevas para quem sentiu no corpo e na mente o quão cruel é o bullying, numa época em que a terminologia nem era popularizada, menos ainda a discussão do assunto.
Tudo era resolvido no braço e eu, raquítico e tímido, recebia calado todo tipo de agressão possível dos “coleguinhas de escola”. Você, o afeminado, negro, de cabelo duro, magricelo, nerd, puxa saco de professor, sempre era o alvo dos valentões e dos descolados disfarçados de crianças inocentes que viam no medo depressivo alheio uma forma de alimentar o ego de uma alma impiedosa.
De forçado a comer salsicha do chão a esmurrado na saída da escola, o cotidiano do antigo primário se tornava um esforço repetitivo de superação dos meus demônios. Até porque não é normal você planejar a data do corte do cabelo para minimizar as tão inofensivas brincadeiras de anjinhos que estão na idade de se divertirem, no entanto à custa das lágrimas dos outros.
Jamais vou usar o bullying ou qualquer outra situação para descriminalizar ou justificar um assassinato, mas deixo claro que a prática deixa a vítima distante da razão, o que a torna humana. Não falando como um especialista da psicologia ou psiquiatria, mas acho leviano apontar como psicopatia uma reação para se livrar de atos perturbadores que te deixam em crises de pânico e com vontade de não ter existido, já que você sempre se vê como o erro.
Sim, pessoal, um dia toda aquela pressão explode. Cada uma das vítimas age a sua maneira, o que mais uma vez não justifica qualquer ato de violência, embora eu mesmo já tenha socado um garoto com o dobro do meu tamanho ou agredido uma menina, após, inúmeras vezes, ser motivo de chacota ao ser taxado de “viadinho”, “bichinha”, “qualirinha”, dentre outras expressões LGBTfóbicas.
As agressões exemplificadas da minha parte foram impensadas e, depois de praticadas, voltei a mim e questionei a minha sanidade para mostrar que aquela pessoa não me representava e que eu não queria me igualar àqueles monstros. Sim, eu era superior, mas não tinha consciência. Tive a sorte de tentar contornar cada situação vexatória a qual era exposto, até sair de tal realidade de perseguição psicológica.
Nem todos têm o mesmo destino e a adesão ao extremo acontece. Nessa linha tênue entre as irresponsabilidades dos pais, da escola e do Estado, infelizmente, o Brasil poderá ver muitos exemplos de “fracos suicidas” ou “psicopatas homicidas”. E em casos premeditados de crimes como aconteceu em Goiânia, a reflexão que fica é sobre quem planejou tal barbárie naquela escola – o garoto que matou o próprio amigo ou os amigos que mataram a humanidade do garoto?