O dia em que tombei no mato

“Vai ser muito radical”, ela disse. Eu não tinha dúvida, e era exatamente isso o que eu temia. A depender de mim, nunca que a gente se meteria em uma aventura dessas. Eu preferia fazer uma matéria sem sobressaltos, como a do bimestre anterior, quando a gente foi a uma clínica de Ayurveda, a filosofia médica indiana. Ganhamos quitutes ayurvédicos e fomos para casa com o espírito enlevado. Agora, no entanto, não tínhamos ideia melhor do que fazer. Foi quando ela disse que havia conseguido um contato com os jipeiros, que no final de semana teria um rally e que eles concordaram com a nossa participação como repórteres cinematográficos. Suspirei. “Vai ser muito radical”, ela disse mais uma vez.

No sábado pela manhã, dirigimo-nos então até a cidade de Campo Magro. Não sei onde fica Campo Magro, não posso dizer uma linha sequer sobre a cidade de Campo Magro. A menos que consideremos a minha experiência com o mato de Campo Magro. O mato de Campo Magro é realmente do bom, coisa fina. Digo isso com segurança, pois eu o senti na minha própria pele, conforme se verá.

Para começar, já fomos levados até lá de jipe. Nós três: ela, a repórter, ele, o câmera, e eu, que fazia parte da equipe e também precisava de nota. Vira daqui, vira dali, o jipe sai da rodovia e começa a seguir uma estradinha de chão. Estendi os olhos e vi que a estrada acabava logo à frente. “Ali começa o sertão chamado bruto”, pensei. Mal adentramos na mata, o nosso jipeiro achou que seria legal jogar o carro dentro de um buraco em forma de U. O jipe patinava ferozmente para escalá-lo. A toda hora eu achava que ele iria tombar, e naqueles instantes eu revi toda a minha vida, desde a tenra infância até aquele inescrutável momento dentro de um buraco em Campo Magro. Por fim, conseguimos sair de lá, e o jipeiro riu, disse que foi o nosso batizado. Foi também o batizado da câmera, respingou lama nela.

Chegamos então a um PC, que é como se chama o “Ponto de Controle” por onde os jipes do rally passam e têm os seus tempos registrados. Compreendi, com alívio, que ficaríamos ali, não participaríamos do tal rally. Havia muita gente nesse PC, muita gente rindo e se divertindo, e logo trouxeram a carne, a cerveja, ah, até que era bom ser jipeiro.

O primeiro jipe se aproximou do PC e a gente virou a câmera para ele. Estávamos com sorte, pois já esse primeiro jipe tombou bem na nossa frente, o que rendeu ótimas imagens. O jornalista, assim como o estudante de jornalismo, não tem coração. Mas esses caras estão acostumados a tombar, pois logo se levantaram e foram adiante. E a gente ficou lá até a tarde, só filmando, comendo e bebendo.

Depois que passou o último jipe, nosso jipeiro nos convidou para uma aventura pelas trilhas da região. Gelei. Entramos em terríveis lamaçais, o jipe quase virava, eu fechava os olhos e pedia perdão dos meus pecados. Foi pelas minhas orações que nada de mais grave se deu ali, pois nosso jipeiro não levava a sério o “se beber, não dirija” – estava bebaço.

Por isso não espanta que depois, em uma inofensiva reta, ele tenha perdido o controle, batido em uma árvore e feito a gente tombar no meio do mato – esse mato de Campo Magro, muito fofo, por sinal. Eu já estava esperando aquilo por tanto tempo que nem me assustei. “Bem, tombamos, afinal”, pensei. Consegui sair do mato quase sem arranhões. Olhei para a menina que disse que seria muito radical. Ela estava mais assustada que eu, mas adorou aquilo, diz hoje que foi uma das melhores coisas da faculdade.

Sobrevivemos. Depois a gente chegou a achar que nem havíamos gravado nada, que fizemos alguma coisa errada na câmera. Teríamos quase morrido à toa? Não, Deus não foi tão radical assim. De toda forma, nada disso aconteceria no centro ayurvédico.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 22/10/2017
Reeditado em 01/12/2018
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