O LUTO

Foi quando entrei na puberdade que comecei a perceber a morte e o luto. Minha primeira experiência foi quando faleceu o avô de uma de minhas melhores amigas. Naquele tempo, o velório ocorria em casa. O defunto era colocado no caixão e este sobre a mesa de jantar, onde a família fazia, regularmente, as refeições. Os amigos e parentes compareciam, enchendo a casa de gente. O velório durava 24 horas e costumava-se “guardar” o morto durante a noite, numa vigília que chamavam de “guardamento”. As pessoas passavam a noite sentadas, sem dormir, enquanto alguma senhora piedosa puxava o terço. Amigas e parentes se revezavam na cozinha, preparando chá e café, que eram servidos com bolachas e biscoitos.

Desde essa primeira experiência que tive, minha mente guardou os detalhes do velório e sepultamento e meu olfato aprendeu a reconhecer o cheiro da morte, um misto de velas derretidas e o odor desagradável de flores murchas. Durante muitas noites tive pesadelos, onde uma negra figura ameaçava vir buscar as pessoas que eu mais amava.

Foi mais ou menos por essa época que me dei conta de que minha avó paterna, vestida de preto e usando um lenço também preto na cabeça, estava de luto. Era o “luto fechado”, quando se perdia o pai, a mãe ou o marido. Quando falecia um irmão, irmã, cunhado ou cunhada, vovó se permitia vestir preto e branco, nunca uma roupa colorida. E essa auto imposta tristeza no vestir durava um ano. Vi vovó usando luto durante quase todo o tempo em que com ela convivi, pois à medida em que ela envelhecia, os parentes mais próximos, também idosos, iam desaparecendo.

Sempre achei bastante cruel esse costume. Era como se a alegria também tivesse morrido e sido enterrada junto com a pessoa falecida.
Hoje vejo a morte como algo inexorável, o destino certo e derradeiro de todo ser vivente, embora não consiga conviver com a ideia sem algum temor.

Mas, felizmente, os tempos e costumes mudaram muito. Sentimos imensamente a perda de pessoas queridas e há, naturalmente, um período de luto em que nosso coração se enche de tristeza e amargura, mas não precisamos mais nos cobrir de preto, como numa mortalha.

Guardo na lembrança e tenho grande saudade das pessoas amadas que já se foram, mas até hoje não gosto de vestir preto, em nenhuma ocasião. Nos eventos fúnebres, prefiro usar uma cor discreta, mas não a cor preta, que muito me marcou desde os tempos de vovó.



 
Aloysia
Enviado por Aloysia em 21/10/2017
Reeditado em 21/10/2017
Código do texto: T6149063
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