ATAÚLFO ALVES

LEVA MEU SAMBA

Nelson Marzullo Tangerini

Eu era pequeno quando Ataúlfo Alves frequentava minha casa, em Piedade.

Meu pai, o compositor Nestor Tangerini, membro da UBC, União Brasileira de Compositores, chamava-o de Mestre Ataulpho. Tangerini era fã do mineiro de Miraí.

Minha casa era frequentada por gente do teatro, da música, da pintura e da literatura. Da música, passaram por lá: Ataulpho Alves, Aldo Cabral, Monsueto, entre outros. Do teatro: Antônia Marzullo, minha avó; Dinorah Marzullo e Manoel Pêra, meus tios; Marília e Sandra Pêra, minhas primas; Humberto Catalano; Evilásio Marçal, que pegou um monólogo de meu pai [O buraco] e desapareceu com ele, entre outros. Da poesia: Maurício Marzullo, meu tio. Da pintura, Neusa d´Arcanchy, minha prima.

O Mestre Ataúlpho costumava levar Ataulphinho com ele. Como Jr. beirava a idade de meus irmãos mais velhos, vi-os jogando bola no quintal de nossa casa, em Piedade. O resultado final era um monte de plantas de minha mãe quebradas.

Por fim, acabei ficando amigo de Jr., uma vez que meus irmãos, Nirton e Nirson, se formaram, respectivamente, em Biologia e Física. Como segui os passos de meu pai, acabei fazendo amizade com compositores, cantores e escritores. Abracei, de forma saudável, a boêmia.

Sobre o Mestre, lembro-me do dia em que seu carro ficou atolado e preso na lama de nossa travessa. A referida via não era calçada e seu carro ficou com as rodas girando na lama sem nenhum progresso. Dentro do carro estava o compositor de Amélia todo de branco – da cabeça aos pés. Chovia torrencialmente e os moradores daquela via de Piedade não deixaram que Ataulpho saísse do carro. Vários deles saíram de suas casas para empurrar o carro do ilustre vizinho.

Quando o Mestre faleceu, um balão subiu aos céus com seu nome em forma de copinhos para homenageá-lo.

Estava em casa, certa vez, escrevendo, como de costume, quando minha mãe me chamou para ver, na TVE, a gravação de um show do Jr. no Teatro Municipal de Niterói cantando as músicas do pai.

Após o programa, liguei para Jr. para elogiá-lo pelo grande e belo show. Falei com ele que tinha assistido à gravação do show ao lado de minha mãe. Jr. me pediu para falar com ela.

“- Olá, D. Dinah, é o Ataulpho. Como vai a senhora?”

“ - Vou bem – respondeu Dinah”.

E prosseguiu Ataulpho:

“ - A senhora se lembra de mim?”

E ela:

“- Claro que sim, seu danado. Você jogava bola no quintal de minha casa com meus filhos e quebrava as minhas plantas”.

E terminaram a conversa com risos de minha mãe e elogios dela a pai e filho.

“- Meu marido era fã de seu pai” – disse ela.

Nossa amizade, enfim, foi reatada. Fui convidado por ele para assistir a um show seu e de Heitorzinho, filho de Heitor dos Prazeres, na parte lateral do MIS, Museu da Imagem e do Som, na Praça XV. Fui a este show com Regina Cabral, filha do compositor Aldo Cabral, autor de Mensagem, Despedida de Mangueira, Boneca, entre outros títulos que fazem parte da História da Música Popular Brasileira. Sorrateiramente, fui ao encontro de Jr. sem falar nada, mas ele me reconheceu:

“- Você é filho do Tangerini!”

E eu lhe perguntei:

- Como você me reconheceu?

E ele:

“- Pela careca - igual a do velho Tangerini”.

Num evento realizado pela CONINTER, no Edifício do Instituto Histórico e Geográfico, no dia 8.7.2014, Jr., sempre alinhado como o pai, e eu voltamos a nos encontrar. Jr. estava lá para receber a Medalha Castro Alves junto comigo e outras personalidades da música, da pintura e da literatura.

O tempo passou e nos encontramos outra vez: na roda de samba da Glória, onde recebia a velha guarda do samba e novos talentos de nossa música. Ali voltei a me encontrar com Osmar do Breque, um sambista muito interessante que conheci na faculdade de jornalismo e que já devia ser destaque no mundo música. Estava acompanhado de minha namorada, a poeta Verônica Marzullo de Brito, e Ataulpho de sua esposa. Conversamos sobre música, Piedade e tiramos algumas fotos juntos.

No início da madrugada de 16.10.2017, depois de acordar de um pesadelo estranho e indecifrável, sou surpreendido com a notícia de sua morte. Após entrar na internet, Verônica dá de cara com a triste notícia e vem transmitir o ocorrido:

- Nelson, tenho uma triste notícia para te dar: teu amigo Ataulpho Alves Jr. faleceu.

Fiquei realmente muito abalado. E, na tarde daquela segunda-feira, fui despedir-me de Ataulpho.

Sua esposa nos contou que os dois assistiam ao Fantástico, da Rede Globo, quando a emissora resolveu pôr no ar um pedacinho de sua música Os meninos da Mangueira. Ataulpho, comovido, pediu que ela pusesse sua música no toca-cd para que ele a ouvisse inteira. Os dois se sentaram para ouvir a música e ele fechou os olhos, tombou a cabeça e se foi.

Legítimo herdeiro do Ataulpho, seu pai, Ataulfinho, como também o chamávamos, não deixava o repertório do mestre cair em esquecimento. Em seus shows, cantava as músicas do “velho”, mesclando com músicas suas.

Foi emocionante a sua despedida, com um grupo de familiares e seletos amigos cantando Leva meu samba [de seu pai] e Meninos da Mangueira [de sua autoria].

Siga em paz, amigo. Seu pai o espera de braços abertos com novos sambas para cantarem juntos no palco da eternidade.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 17/10/2017
Reeditado em 18/07/2019
Código do texto: T6145529
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